Extraído do livro:
A Moderna Agropecuária - O drama da sua
evolução
2ª edição – 1993 Gilberto Moraes
(Prefácio de Gilberto Freyre)
Não creio que seja muito elevado o
número daqueles que se deixem seduzir totalmente pelas atrações urbanas a ponto
de não se lembrarem com saudade ou inveja, em nenhum momento, de uma paisagem
campestre. Sei que existe e conheço muita gente incapaz de dormir uma só noite
numa
fazenda, possuída de uma verdadeira fobia à solidão, ao silêncio, e que só se sente em segurança e à vontade em meio ou próximo à multidão, ouvindo os ruídos familiares do organismo comunitário.
...verdadeira fobia à solidão, ao silêncio... |
fazenda, possuída de uma verdadeira fobia à solidão, ao silêncio, e que só se sente em segurança e à vontade em meio ou próximo à multidão, ouvindo os ruídos familiares do organismo comunitário.
Há também os que têm horror à
poeira das estradas e os demasiados comodistas para os quais o campo lembra um
esforço físico maior que o costumeiro, uma caminhada mais longa, o exercício
mais violento de montar a cavalo, um cotejo inglório com o vaqueiro ou com a
camponesa. A mecanização e o automatismo da vida das cidades disfarçam e até
estimulam as deficiências físicas, a preguiça mental e muscular, a volúpia das
escadas rolantes e dos televisores.
Posso imaginar que o homem da rua se sinta
mais que desprotegido no campo. Inibe-se, paralisa-se. E que ele se acha
condicionado pelo hábito da propaganda e do policiamento, dos quais já é um
robô. Em casa, o citadino é instruído pelo rádio e TV, sobre as compras de que
precisa (em nossa sociedade de consumo ele precisa cada vez mais de coisas) e
na rua as regras do trânsito o levam com uma presença que se acentua
progressivamente.
Nada revela melhor a contraste que o sofrimento do homem do
campo quando vai à cidade. Mesmo apreciando as maravilhas, ele se sente
molestado; dorme mal, sufoca na prisão e acaba regressando antes do tempo, com
verdadeira sensação de alívio.
Acredito que no futuro se inverta o rumo do êxodo que se
observa hoje do campo para a cidade. A descentralização rural acaba se impondo
à centralização urbana. Imperativos de saúde pública forçarão o aperfeiçoamento
das técnicas dos serviços coletivos, prescindindo-se da concentração de
usuários, como ainda da construção de moradias que deverá sofrer uma revolução
completa. A residência do futuro parecerá mais uma casa de campo que um
apartamento.
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Na era planetária, em que o mundo se transforma, segundo Mc Luhan, numa aldeia global, a diferença entre cidade e campo, que era de espaço-tempo, se reduz consideravelmente. A Europa, que não embarcou na aventura do arranha-céu, talvez se ajuste sem maiores dificuldades ao conceito de moradia do porvir, que implicará de certo numa desverticalização.
A meu ver as cidades se tornarão menos densas, se
espichando até se encontrarem, constituindo uma superfície povoada contínua.
Numa sociedade de consumo em massa, assistiremos ao dimensionamento
mundial da indústria, dos serviços, com uma
interligação orgânica dos seus sistemas e uma distribuição e circulação
econômica que não permitirão espaços geográficos vazios.
Até lá, e para ajudar
a chegar, o homem do campo terá de treinar bastante para desempenhar
tarefas muito importantes e que exigirão uma diversificação de qualidades superior à do citadino Até aqui foi
possível desenvolver uma região e
abandonar outras. Agora, só há um conceito de crescimento: o harmônico. Nunca a cidade dependeu tanto do campo quanto nos dias de
hoje. Todo o país precisa despender um esforço enorme para integrar o campo no
mesmo ritmo do progreso urbano.
A primeira
dificuldade é levar o homem da rua a
conhecer a realidade dos sertões, fazendo-o perder as ilusões quanto à abundância de tudo e as facilidades da vida naquelas paragens. E se convencer de que, quando uma
garrafa de leite está custando menos que uma de água mineral, quem está empobrecendo é o país e o pecuarista é quem está sofrendo a
injustiça.
Uma revista norte-americana enumerou as vantagens de se morar no campo. Estar fora do alcance das poeiras industriais, do excesso de ruído, das restrições dos eventuais racionamentos de gêneros, dos bombardeios em caso de guerra, dos rigores de uma ocupação militar. Além disso, não se precisa de propaganda para vender o que se produz tendo-se preço e mercado garantido. Esta última vantagem é muito relativa em nosso país, pois o tabelamento e as ameaças de importação aviltam os preços, espoliando os produtores.
Mas, ainda assim, a vida nas fazendas oferece aspectos
fascinantes. Vive-se um pouco daquilo de que,
em geral, todos gostam. Faz-se pioneirismo e, mesmo quando não se experimenta algo inédito, se
descobre coisa nova ou se ocupa terra virgem, a rotina sempre oferece um sabor
de aventura.
A intimidade com a natureza favorece muito a emoção criadora do homem, renovando-o em cada trabalho campestre, como se todos os dias fossem diferentes.
De uma doença generalizada em nosso tempo é certo que o campo é um refúgio: às neuroses. |
A intimidade com a natureza favorece muito a emoção criadora do homem, renovando-o em cada trabalho campestre, como se todos os dias fossem diferentes.
A construção de uma
casa, de um simples galpão, de uma ponte, a fundação de uma lavoura dão ao camponês uma alegria mais
intensa e mais consistente que ao citadino qualquer obra mesmo mais importante.
O homem massa das concentrações
urbanas jamais conhecerá a alegria e a liberdade do centauro dos pampas nem do rei das montanhas. Um arranha-céu
poderá ser um palácio em saudáveis
alturas, mas não perderá nunca o caráter de lar coletivo e, de certo modo, de uma prisão.
Em vez da multidão, um
belo rebanho de ovelhas brancas ou um rodeio de pampas ou uma tropilha de tordilhos. Caminhar alcançando o horizonte
sem fim em vez das congestionadas
calçadas com filas, faixas de segurança e a ameaça constante do tráfego. Sõ no mar e no campo se tem
necessidade de binóculos.
Na planície ou na
serra, o homem está mais perto de si mesmo, mais consciente da sua dignidade. Na rua ele é fragmento da alma coletiva,
molécula da onda humana que se agita. Conheci vários doentes à espera da
morte que exigiram quartos de hospital dos quais se ouvisse bastante barulho de
gente. Homens da cidade com terror à solidão
e que se avizinharam da pior de todas porque
desconhecida.
Uma grande fazenda bem
organizada ostenta um pouco do fascínio de um quartel posto avançado da
civilização, em meio do deserto e de uma fábrica. A televisão num lugar
assim é uma festa. O homem do campo está sendo o maior beneficiário da tecnologia que, entretanto, resultou da
aglomeração urbana.
Mas, essa paz bucólica, tal clima de estímulo para uma personalidade
criadora, para unia imaginação fecunda, precisa ser aproveitada para um
trabalho mais nobre ainda, de alto rendimento cientifico e técnico. O apogeu da antiga da antiga agroindústria açucareira
nordestina, a dos engenhos e banguês, criou um clima de cultura estimulante, do
qual resultou uma elite que dominou uma quadra da nossa história
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Há em São Paulo, Minas Gerais, no Rio Grande do Sul e
outros Estados fazendas com magníficas bibliotecas e que são realmente usadas
pelos donos.
A influência que exercem é muito benéfica. São centros
irradiadores de civilização que completam o trabalho dos postos experimentais, das
estações de fomento. Algumas delas mereceriam até a publicação da sua história,
a ser narrada não em um estilo apologético, mas como a história de um kibutz,
relato simples, incluindo os aspectos mais comoventes da vida da peonada, suas
famílias, os melhoramentos, a técnica, o romance da vida do campo, suas
grandezas e misérias, enfim, o drama da comunidade telúrica que vive entre os
animais e a pastagem.
Conheço duas estâncias gaúchas com verdadeiros
laboratórios e, em uma delas, o seu proprietário, ilustre e conhecido médico e
cirurgião, pretendeu desenvolver trabalhos de pesquisa de tal ordem que
merecessem publicação em um boletim editado para isso. Falo de Oddone Marsiaj.
A fazenda é uma unidade econômica e urna comunidade que
se presta extraordinariamente para algumas experiências de solidarismo e de
empresa integrada de suma importância. Pena que o reformismo agrário até aqui
não haja percebido que um trabalho naquele sentido já poderia ter sido começado
sem envolver o problema do direito de propriedade das terras. Se assalariados e
patrões aprenderem a viver dentro do solidarismo de uma comunidade integrada, explorando
todas as vantagens do campo para o seu sucesso, a terra não seria mais elemento
de separação e sim de união.
Mas voltarei ao assunto em outro capítulo. Por enquanto
desejo acentuar apenas que entre as vantagens da vida do campo se encontra
também a de permitir ela uma evolução mais fácil, embora pareça o contrário
pelas dificuldades surgidas.
Entre os privilégios do campo se podem acrescentar as
menores possibilidades de contágios de doenças epidêmicas e uma profilaxia mais
eficiente das suas pequenas comunidades, além das melhores defesas orgânicas
destas últimas em face de uma alimentação mais natural e mais pura, de uma
atmosfera mais saudável e de um regime de vida mais metódico e ao ar livre.
O excesso de sol não prejudica mais que aos citadinos nas
praias. Pelo contrário, o corpo vestido dos camponeses está mais abrigado que o
dos nudistas nas costas marítimas.
O homem do campo está fatalmente livre de um dos maiores
vícios da vida citadina: o abuso do cinema, verdadeira masturbação emocional
que desgasta os nervos e aumenta as tensões. Em vez disso, ele goza de duas
recreações saudáveis e úteis: a caça e a pesca.
De uma doença generalizada em nosso tempo é certo que o
campo é um refúgio: às neuroses. O camponês mantém um senso de unidade pessoal
mais agudo, ao contrário do homem da
rua, cuja complexidade de vida é tamanha que o faz se perder no emaranhado das
necessidades crescentes da cidade, distinguir o que é essencial e o que é
supérfluo para sua existência.
Recentemente num congresso de saúde pública se concluiu
que ❑ barulho das cidades vem aumentando de muito as
perturbações do aparelho auditivo e diminuindo sua
capacidade. Um camponês hoje é um
homem que ouve melhor que o suposto felizardo dos apartamentos e das ruas.
Mas, o simples contato com a terra na sua expressão
primária, com a superfície agrícola, com a clorofila, já é um bálsamo para a
alma e o corpo. A terra é a grande mãe, origem e fim de todas as coisas,
cadinho da vida e da morte, símbolo de todas as transformações na mente do
homem, que sabe que ao seu contato "os restos mortais" renascerão sob
novas formas triunfantes de força e beleza.
Durante as últimas guerras os médicos observaram o efeito
sedativo sobre os feridos da paisagem verde e da ingestão do leite. O
"Sertanejo é antes de tudo um forte", a clássica observação de
Euclides da Cunha, penso que se aplica de um modo geral ao homem do campo em
face do citadino sem diminuir o valor peculiar daquele tipo nordestino em face
da sua ecologia.
Obra-prima como estudo comparativo entre os dois estilos
de vida é o famoso romance de Eça de Queiroz, A Cidade e as Serras. O
jornalista e professor Aníbal Fernandes aconselhava aos alunos que lessem
dezenas de vezes o incomparável Eça para aprender a escrever. O mesmo deveriam
fazer os homens do campo para descobrir o privilégio de que desfrutam. Em
noites de inverno, ao calor da estufa, um romance de Eça é um supremo deleite.
A ironia de Eça, o sorriso de Eça, são delicias que fazem esquecer todas as SUNABS
deste ingrato Brasil de bom senso obturado de asfalto.
Segundo o novo conceito de agricultura como indústria
transformativa, urna fazenda é uma fábrica a céu aberto. E não possui apenas
uma chaminé, e sim várias, as dos nossos tratores que rodam pelos quatro cantos
das lavouras, amainando a terra, revolvendo-a, afrouxando-a, aplicando-lhe o
calcário que vai corrigir sua acidez, lançando a semente, o inoculante e o
adubo. Na verdade, a terra já agora é apenas um suporte da tecnologia, considerada modernamente
como o quarto fator de produção. São tantas as operações que a agricultura
envolve que não há exagero naquela sentença: quem faz o solo é o homem.
E quando pudermos falar com outro fazendeiro! |
Nenhuma atividade oferece tanta força de sugestão para transformar a rotina em aventura quanto a rural. Quem quiser realizar-se plenamente no próprio trabalho profissional, quem se dispuser a fazer do seu ganha pão o mais poderoso instrumento de prazer, quem aprender a dominar as coisas em vez de ser seu escravo, quem for dotado de inteligência e imaginação suficientes para fazer de cada dia uma festa diferente, encontrará na vida do campo o ambiente mais propício para isso.
No passado, a vida do agricultor era uma humilhação
constante diante da natureza que ele não aprendera ainda a conhecer. Hoje é
fonte de perene alegria a constatação da sua superioridade, da penetração em
seu mistério, de como se vai revelando cada dia mais o segredo da sua
fertilidade, da multiplicação dos pães, da descoberta de mais profundas
afinidades entre o homem e a terra.
Já pensaram no privilégio da vida que um fazendeiro pode
levar nos nossos tempos? Depois de um dia atarefado com os seus rodeios e
lavouras, com suas técnicas modernas de inseminação artificial e semente
peletizada, a cavalo ou em sua camioneta, vem a noite para urna conversa
saborosa, com variação de motivos e interesses, na cadeia do radioamadorismo
ou na televisão.
A nossa atmosfera é urna cidade com ruas inteiras e
intermináveis de fazendas, de granjas, de casas se comunicando a todo o
instante, vencendo as distâncias e diferenças de idioma. Esta admirável
comunidade de radioamadores já realizou o sonho de um mundo sem fronteiras, sem
tempo e espaço, capaz de pensar alto instantaneamente.
As chamadas gerais são encontros ecumênicos na "grande aldeia" em que se transformou o
planeta depois das modernas comunicações.
Cuidar de sua seara de dia, banhar-se de sol, inalar o
oxigênio puro das plantações e das campinas, estirar a vista nos horizontes
infinitos, ter o céu por teto sem a inclemência da intempérie, e no fim das
tarefas conversar com o irmão de outras searas, trocar informações, fazer
descobertas, identificar-se nas esfuziantes gargalhadas, nas gostosas
interjeições, na satisfação de prestar serviços, na simples e suprema alegria
de confraternizar.
Ser radioamador na cidade não oferece a mesma sedução que
no campo. A distância, o isolamento, a sensação de se estar acampado, com uma
expedição científica ou militar, tudo isto faz da conversa pelo rádio algo
muito excitante, de aventuroso, de expectativas de surpresas, de evasão para um
mundo diferente e maravilhoso.
Mas, não pensem os leitores que sou radioamador. Apenas
corujo e vez por outra falo em estação de amigo. Leio muito e trabalho bastante
em meu escritório. Preferi o telefone que me custou caro, mas me vem prestando
inestimáveis serviços e pelo qual também converso com os amigos, é verdade que
sem o prazer das rodas amplas em que vários radioamadores podem conversar ao
mesmo tempo.
Além disto, o telefone não substitui o rádio, é claro, na
rapidez e no alcance da comunicação como também na convivência daquela
incomparável família do ar. Sua vantagem, entretanto está na comunicação
comercial. Fala-se diretamente com a firma, encomenda-se o que se quer e
movimenta-se o dinheiro nos bancos. Quantas temporadas longas passei sem ir à
cidade graças ao telefone. É de magneto, mas uni dia será automático. E quando
pudermos falar com outro fazendeiro lá dos confins da ilha de Marajó, depois
das microondas cobrirem todo o nosso território, como enriqueceremos nossa
vida, nossa experiência e aumentaremos nossas descobertas!
Primeiro foi o verbo. O homem pensa porque fala. Quando a
voz humana saturar a atmosfera em todo o globo, cobrindo-o em todas as
direções, o nosso pensamento então adquirirá uma dimensão global, valendo para
o universo. Quando exercitamos a moderna comunicação, mesmo por turismo
radiofônico, nem percebemos que estamos ensaiando o sucessor do homem, aquele
ser cosmo-eletrônico que está prestes a colonizar a lua.
Disse-me certa vez um vizinho que achou diferente um
parente depois que este falou pelo rádio. Não que tivesse ficado importante nem
vaidoso, mas como que sua personalidade adquiriu mais transparência ou mais
força. Deve ser pura fantasia, mas será que o microfone não devolve à pessoa
que o usa um poderoso efeito que vai até os centros nervosos? Ou este efeito é apenas
o conhecimento ou a informação a mais que se adquire? De qualquer maneira , Zé Antônio,
caboclo rude, mas de notável
intuição, discreto freqüentador da Fazenda Paraíso, fez urna observação válida, de importância imprevisível.
Para Marshall McLuhan, o sociólogo
dos meios de comunicação, pelo menos, ele constatou uma verdade científica.
Depois de tantas descobertas que revolucionaram o mundo, e revelaram sobretudo a
importância do que está ainda por vir, é de admirar que a humanidade não se tenha tomado de
uma neurose de angústia, de uma ansiedade crônica i pela mudança. Como pode o
homem dormir tranqüilo sabendo que os mistérios 'que o rodeiam estão sendo
decifrados a todo o momento, e que estão lhe crescendo as asas e aguçando o
espírito e os sentidos? Como é possível continuar tamanho desperdício em atividades estéreis diante do exemplo dos que se dedicam por completo às pesquisas e ao bem da humanidade? O
surpreendente não é só a falta de uma psféosede suspense, o que é
saudável, mas sobretudo a incapacidade de se acelerar o progresso por uma maior
racionalização da vida.
No campo, o naturalismo dos costumes defende melhor a saúde física e mental. E nem chega a
se registrar a pressa, o corre-corre do formigueiro humano na cidade. Ritmo de
vida mais descansado, por isso mesmo repercussão mais demorada das mudanças.
Degusta-se uma novidade tecnológica sem o frenesi das cidades acostumadas pelos
hábitos publicitários a consumir rotineiramente os inventos como um
privilégio. O rurícola, com uma consciência ainda de progresso sempre retardado,
como que festeja cada inovação.
Uma diferença entre a vida do campo e a da cidade que não deve nunca ser esquecida é a que
diz respeito ao pauperismo. Há algum tempo atrás se falava muito no regime
semi feudal que ainda imperava no interior. Hoje, até os comunistas mudaram o
conceito para pré-capitalismo. Queremos assinalar que mesmo nas zonas e nas
épocas de maior miséria, o ser humano nunca atingiu a degradação dos mocambos e das
malocas citadinas. A promiscuidade, os vícios da ociosidade, do desemprego, a
própria dieta da subnutrição energeticamente inferior ao mais pobre dos cardápios
da gente dos campos, tudo isso torna esta última menos infeliz que os desprotegidos
urbanos.
A urbs, com toda sua experiência milenar de vida coletiva e de auxílio
mútuo, na
paz e na guerra, protege menos o ser humano que a simples natureza. E isto sem falar nas neuroses
urbanas.
Devemos lembrar aqui a famosa tirada sarcástica de Bernard Shaw: a lei é igual para todos; proíbe ricos e pobres
dormirem debaixo das pontes. No campo, enquanto
a "proteção" da lei não se torna efetiva, o homem tem liberdade para se proteger ainda com a própria natureza.
A população das cidades trabalha dentro de casa, nos galpões das fábricas e
nas lojas. Seu conceito de vida higiênica sofre com isso exageros, limitações e prejuízos. Acrescenta-se a
exigência da segurança contra o roubo e o assalto. No campo, o homem, produzindo
ao ar livre, com outros hábitos de morar, de divertir-se, de vida social, se-coloca numa
intimidade maior com a natureza, numa dependência
menor do conforto elaborado, do made in..
"Deitado eternamente em berço esplêndido..." Hoje sabemos que não
é tão esplêndido assim...E
que mesmo se o fosse não nos convinha ficar sempre naquela postura, ainda que em linguagem figurada.
Sem dúvida,
entretanto, quanto ao autor dos primeiros exageros ufanísticos – Pero vaz de
Caminha - que não era agrônomo, seu entusiasmo era muito mais pela vida ao ar livre,
depois do desconfórto a bordo, que pelos dons fecundos da terra recém-descoberta. Sua famosa carta é um hino e uma descrição do paraíso bucólico, não um
documento pedológico.
Não é por outro motivo que marinheiros, estadistas e escritores, ao se retirarem das suas
atividades, vão residir no campo. Não buscam apenas o sossego, e sim, também,
ou sobretudo, renovar a alegria de viver, mais próximos da origem e do fim de
todas as coisas, da natureza.
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