Por Paulo
Dantas
Discípulo de
Celso Furtado, economista Marcos Formiga analisa economia do nordeste, aponta
equívocos no desenvolvimento, pede atenção ao capital humano e foco na economia
criativa da região. Matéria da edição número 108
O professor Manuel Marcos Maciel Formiga é um pensador.
Amigo e discípulo de Celso Furtado em suas teorias econômicas, Formiga tem uma
longa história a frente do pensamento sobre educação e economia e um currículo
extenso na área. Graduado e pós-graduado em Economia pela Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE) e Política de Ciência e Tecnologia pela Universidade de
Londres. Atua há décadas em áreas de Economia Regional e Educação
Internacional, C&T, e Educação Aberta e à Distância. Dirigiu o Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
Manuel Marcos Maciel Formiga |
(INEP),onde
participou da concepção e implementação da “Escola do Futuro”, hoje referência
internacional como laboratório de educação científica pelo uso de Tecnologias da
Informação e da Comunicação. Além de atividades acadêmicas em Recife e
Brasília, o estudioso também exerceu funções de direção nos Ministérios da
Educação (CAPES e Secretaria Geral); Ciência e Tecnologia (CNPq e FINEP); e no
Ministério da Integração Nacional, quando foi superintendente da Sudene e
Secretário Nacional da SUDECO. Ainda foi Superintendente da Fundação Roberto
entre 1994 e 1997, responsável pela equipe de elaboração do Telecurso 2000. De
1995 a 2011 foi vice-presidente da Associação Brasileira
de Educação a
Distância (ABED) e, de março de 2003 a junho de 2011, assessor especial da
Presidência da CNI, vinculado ao SENAI-DN, onde coordenou a iniciativa iNOVA
Engenharia. Formiga é também um dos diretores do Centro Internacional Celso
Furtado e se encontrou com a Revista NORDESTE para uma entrevista exclusiva
sobre a região, perspectivas, vocações e desafios.
Celso Furtado |
Revista NORDESTE: O ex-ministro Mangabeira Unger falou
que o Nordeste deveria sair de uma ideia de desenvolvimento com grandes
indústrias e grandes obras e pensar em um outro tipo de crescimento. O senhor
concorda com essa visão?
Marcos Formiga: A visão de Mangabeira Unger é muito
interessante porque ele tem repensado o Nordeste a partir das ideias de Celso
Furtado. Ele é muito fiel ao pensamento do nosso Mestre maior. Agora, acho que
essa é uma das alternativas, mas não é a única. Certamente, o modelo
tradicional de desenvolvimento está esgotado. O Brasil adotou o modelo
estruturalista de substituição de importação. O Nordeste replicou esse modelo,
e, diga-se de passagem, com relativo sucesso. Estou me referindo ao período
áureo da SUDENE, entre o final da década de cinquenta e a primeira metade da
década seguinte,
quando o Nordeste teve um projeto de desenvolvimento. Depois
se perdeu no tempo. Hoje, nós temos de conciliar algumas alternativas. Não sou
adepto do modelo único. Ainda há espaço para grandes investimentos e há espaço
para médios e pequenos investimentos. Sem duvida, as micro e as pequenas
empresas, o empreendedorismo atomizado é fundamental em qualquer modelo de
desenvolvimento.
Mangabeira Unger |
NORDESTE: Qual seria o modelo?
Formiga: Prefiro um modelo blended, trabalhar com
alternativas, sem exclusividade. E qual é o embasamento para esse pensamento? É
que com o processo continuado e a desindustrialização do Brasil, certamente ou
já chegou ou vai chegar, ao Nordeste. Nós temos que ter aí algumas alternativas
e a que parece mais viável é a da Economia do Conhecimento, o imperativo do
capital humano. Porque essa foi, e é, continua a ser, a nossa maior falha.
Falha do Brasil e aqui no Nordeste mais do que duplicada. Descuidamos historicamente
da formação, da educação e agora temos de refazer aquilo que não foi feito em
bases mais difíceis do que anteriormente. A mudança estrutural aconteceu no
Brasil e no Nordeste na medida em que deixamos de ser uma sociedade tipicamente
rural para uma sociedade industrial. Esse modelo está esgotado ou em crise. Não
temos de voltar a esse modelo antigo, mas sim buscar novas alternativas.
NORDESTE: O que o senhor chama de capital humano?
Formiga: Chamaria de capital humano o ativo principal da
Nação, conceito ligado diretamente a Sociedade do Conhecimento. Dentro da
Sociedade do Conhecimento a ideia de economia criativa, onde se vão buscar
indicadores muito mais focados em uma visão socioeconômica do que
econômica-social, quando se dá ênfase no PIB, e na quantificação dos
indicadores econômicos. Na minha observação, temos de reverter essa métrica.
Existem esforços internacionais nessa linha. Doutor Partha Dasgupta, professor
emérito de Economia da Universidade de Cambridge, trabalhou para a Unesco um
novo indicador. Saiu-se do ultrapassado conceito de renda per-capita criado a
partir da II Grande Guerra, para o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) que
leva em conta escolaridade, trabalho e esperança de vida. Do IDH avançamos para
o novo conceito de riqueza inclusiva. Este leva em conta os ativos, ao invés de
quantificar a renda, mensura-se a riqueza sob a forma de Capital Humana (nível
educacional e cultural das pessoas), Capital Físico ou Construído (Maquinas,
edificações, infraestrutura e etc.) e Capital Natural (recursos minerais,
hídricos, fauna e flora).
NORDESTE: Como assim?
Formiga: Os ativos são três, na concepção do Prof.
Dasgupta, que a ONU ira adotar. Para se ter uma ideia do conceito de riqueza
inclusiva, o PIB dos EUA quando eles fizeram o cálculo inicial em 1908, era de
cerca de 10 trilhões de dólares. Com o conceito da riqueza inclusiva iria para
118 trilhões de dólares. O Japão, que é uma pequena ilha, aproximadamente do
tamanho do estado de São Paulo, teria uma riqueza inclusiva muito maior que a
dos EUA. E comparado com a China, atual segunda maior economia pelo velho
indicador, utilizando o novo conceito, no entanto, o Japão chegaria a
ultrapassar a China em 2,6 vezes. Isto significa uma revolução na qualificação
e quantificação dos indicadores. Ficaríamos mais libertos da ditadura dos
tradicionais indicadores econômicos, tais como taxa de inflação, taxa de
desemprego e juros, porque tem vida mais inteligente em outros indicadores que
estão vindo por aí e valorização de algo mais substantivo, como grau de
escolaridade, longevidade de população, desenvolvimento tecnológico, prontidão
para o futuro, etc.
NORDESTE: O senhor pode dar exemplos de economia do
conhecimento já aplicadas no Nordeste?
Formiga: Sem dúvida. O Porto Digital em Pernambuco. Os
serviços especializados
advindos do complexo petroquímico da Bahia. O esforço
que o Ceará, o estado, e o município de Sobral estão fazendo na área de
educação. Idem na capacitação profissional na região do porto de Itaqui em São
Luís, MA. O projeto inicial em São Luís era qualificar 100 mil técnicos para
atender as necessidades de demanda de capital e talento humano naquela região.
Com a crise certamente esse volume de investimento teve alguma interrupção ou
não está sendo totalmente implantado. Mas o efeito multiplicador já gerou uma
correlação direta entre os investimentos e a necessidade de capital humano. O
professor Mangabeira cita outro exemplo muito interessante da economia criativa
da extração do mel da abelha no Piauí. Visitamos aquele projeto in loco.
Aquelas caravanas constataram como funciona o Brasil profundo, a vida interior
dessas regiões e o esforço das pessoas para sobreviver nas florestas e na
caatinga do semiárido.
Porto Digital em Pernambuco |
NORDESTE: O Nordeste é muito diverso...
Nordeste composto de vários nordestes. |
Formiga: Um Nordeste composto de vários nordestes. Uns
com forte sentimento de solidariedade regional e outros nordestes com pouco
sentimento de regionalidade, o que é uma pena. Um Nordeste forte exige
compromisso inalienável com todo território dessa região. Embora, dentre todas
as regiões brasileiras, o Nordeste ainda salvaguarda o mais forte sentimento de
regionalização.
NORDESTE: Quais são essas regiões dentro do Nordeste (com
pouco sentimento de solidariedade regional)?
Formiga: O que mais caracteriza o Nordeste é o polígono
que delimita o semiárido. Mas a Bahia pelo velho indicador tem o maior PIB do
Nordeste, e também tem maior semiárido, mas apresenta baixo índice de
nordestinidade, neste patamar encontra-se o Maranhão. Os dois extremos
regionais se afastam um pouco do Nordeste core, o Nordeste mais profundo vai do
Piauí até Sergipe. Um esforço de ação conjunta requer um realinhamento deste
dois estados mais afastados.
NORDESTE: Quais seriam as soluções para o Nordeste?
Formiga: A primeira providência seria sair daquela velha
fórmula da solução hídrica sempre tentada com bastante insucesso. Acumula-se
água, mas não sabe ou não soube o que fazer com ela. Mas isso não significa que
seja uma região pobre, muito pelo contrário. A proposito, lembro de um técnico
israelense que serviu a Sudene que dizia o seguinte: “o nosso maior rio é o
Jordão, que não passa de um ribeirão. Se nós tivéssemos o Rio São Francisco,
seríamos uma potencia mundial”. Mesmo sem água, mesmo com um rio pequeno, como
o Jordão, eles não são uma grande potência mundial do ponto de vista dos
parâmetros tradicionais, mas pela Economia Criativa e do Conhecimento é uma das
nações mais desenvolvidas do mundo, e isso se deve a duas coisas: educação de
qualidade e altos investimentos em ciência e tecnologia. Israel é um dos países
hoje com a mais alta taxa de investimento em ciência e tecnologia: 4,3% do PIB,
enquanto o Brasil não consegue sair de 1,2%. Já estamos estagnados há algum
tempo com esse percentual baixíssimo, incapaz de retirar o Brasil de uma
situação critica em C&TI, fenômeno que se repete com mais gravidade na
educação.
NORDESTE: Falando em vocação, é possível elencar algumas
vocações?
Formiga: Sim. O que é vocação regional? Juntar
capacitação humana – mais uma vez a importância, o imperativo do capital
humano, ponto critico ainda no Nordeste – e juntá-lo com a disponibilidade de
capital natural, e serviços especializados. Obviamente, somando a tudo isso uma
capacidade criadora, empreendedora e