23 de jan. de 2020

Mensagem do Núcleo Kankrej à ABCZ

Taperoá/PB, 23 de janeiro de 2020. 
Ao Sr. Rivaldo Machado Borges Júnior,   Presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), Uberaba/MG. 
Prezado Presidente, 
Saudações guzeratistas e feliz 2020! 
A Sociedade Nordestina do Guzerá Arcaico - Núcleo Kankrej – entidade civil em vias de regularização, constituído por criadores, técnicos e pesquisadores do gado guzerá de dupla aptidão - tomou conhecimento da presença recente no Brasil de uma missão técnica oficial da Índia, vinculada ao National Dairy Development Board (NDDB), com a finalidade de estudar a aquisição de material genético de zebuínos brasileiros melhorados para leite das raças gir e guzerá. Ademais, no momento em que finalizamos o texto da presente mensagem, recebemos notícia da presença do Sr. na Índia, acompanhando a comitiva da Ministra de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza
No alto, à esquerda Vinagre JM e à direita Alecrim JM,touros 
da linhagem baiana. Embaixo, no canto esquerdo, touro indiano 
da atualidade na região semiárida da Índia. No canto direito, 
vestígio arqueológico de Mohenjo-Daro datado de 
aproximadamente 5.000, retratando o guzerá/Kankrej
Cristina, em conversações oficiais com autoridades indianas. 
Para nós do Núcleo Kankrej (NK), essa possibilidade de intercâmbio com a pátria da raça que criamos reveste-se de alta relevância, pelos aspectos estratégicos envolvidos. Louvamos o ineditismo da situação, com todo seu rico simbolismo, inclusive, e parabenizamos os que vêm trabalhando nessa iniciativa. Sobretudo, para nós guzeratistas do Nordeste brasileiro e todo o Polígono das Secas, a perspectiva de cooperação com a Índia em torno da preservação e desenvolvimento da raça guzerá carrega grande entusiasmo. Esse vislumbre nos traz à memória o esforço árduo e pioneiro do técnico e criador nordestino José Maria Couto Sampaio, ainda nos anos 60, em ampliar e aprofundar o intercâmbio com o Sul da Ásia no campo da pecuária tropical. 
Infelizmente a região Nordeste não pode participar do modo destacado e efetivo, que se fazia necessário, da recente iniciativa de importação de material genético guzerá/kankrej da Índia, que, igualmente, deixou de contemplar detidamente a genética voltada à aptidão leiteira, componente essencial da reconhecida e propalada dupla aptidão da raça. Devemos lembrar as observações, tanto de José Maria Couto Sampaio como de Antônio Ernesto de Salvo (em seus conhecidos Relatórios de seleção), que citavam a agregação de leite constatada no efeito dos IMPs guzerá dos anos 60, como um dos principais argumentos na defesa de novas introduções de genética guzerá indiana no Brasil. 
Há mais de vinte anos somos sabedores também do vivo e crescente interesse indiano sobre o desenvolvimento leiteiro promovido no Brasil por criadores, ABCZ, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), dentre outras instituições. A adoção de novas abordagens na relação com a Índia, com ênfase em intercâmbio, de mão dupla, e não mais a tradicional relação de "importar", tem sido defendido por alguns de nós desde os anos 90.   
Sr. Presidente, causa-nos temor, face às notícias formais e informais que nos chegam, de que a recepção e tratamento à mencionada missão técnica oficial da Índia do NDDB - órgão federal encarregado das políticas de desenvolvimento da economia leiteira indiana - possam estar sobrepondo interesses comerciais restritos ao sentido maior de cooperação, que consideramos mais que oportuna; consideramos indispensável. Em se tratando de zebu, a Índia não pode ser tratada como um "mercado" qualquer. Trata-se da fonte primordial. Para a raça guzerá/kankrej, de modo muito especial, a Índia segue tendo incalculável importância estratégica, pelo notoriamente rico e diverso acervo genético que lá se preserva e se desenvolve. Talvez para outras raças zebuínas a situação não apresente o mesmo relevo, conforme tem sido relatado por visitas e informações colhidas naquele país. 
Inferimos que o interesse do NDDB por genética zebuína brasileira melhorada para leite vise, em boa medida, apresentar alternativas de acasalamento para a grande massa de matrizes mestiças euro-zebu em diferentes regiões indianas, em que o componente zebuíno da mestiçagem se lastreou em raças locais de fraco potencial leiteiro. Isso, no entanto, não altera o quadro que favorece a possibilidade da proposta cooperação de dupla via. Configura-se um trunfo, que vem de encontro à necessidade da raça guzerá de dupla função do Brasil de manter canais compartilhados de trabalho e desenvolvimento com a Índia. 
Brasil e Índia podem e devem unir esforços nas áreas técnica, científica e agrocultural em prol da bovinocultura (assim como da bubalinocultura, etc) tropical, de modo particularíssimo no segmento leiteiro. Estamos convictos de que tal configuração beneficia enormemente a perspectiva de consolidarmos a destacada posição brasileira no trabalho com a raça guzerá. 
Sr. Presidente, não fazemos quaisquer restrições às manifestações e às iniciativas de caráter comercial de criadores ou de instituições privadas, ligadas ou não à zebuinocultura nacional junto a qualquer país, inclusive a Índia. Reconhecemos o mérito de certas iniciativas louváveis. O que não nos parece apropriado é que interesses específicos e particulares possam vir a desfavorecer o estabelecimento dos desejados laços de cooperação de modo aberto, transparente e democrático entre Brasil e Índia na bovinocultura tropical, particularmente no que se refere à raça guzerá/kankrej. Preocupa-nos que tais interesses particularizados venham a monopolizar e ditar rumos subjetivos, inadequados e não-transparentes a um esquema que é oficial - ao menos da parte indiana - e envolve interesses que são amplos e públicos, já que dizem respeito à comunidade de criadores da raça guzerá em seu conjunto maior e sua expressão diversa e multirregional. 
O Nordeste Brasileiro é, sem dúvidas, Sr. Presidente, o ambiente brasileiro que mais se aproxima, em termos climáticos e socioeconômicos, às condições da pecuária do oeste semiárido e subúmido da Índia, justamente o berço da raça guzerá/kankrej. Some-se a isso o fato de que o Nordeste tem sido palco, há pelo menos seis décadas, da formação de alguns dos pilares mais importantes para o soerguimento ao estágio atual de desenvolvimento do melhoramento de dupla aptidão da raça no Brasil; fiel, portanto, à milenar tradição indiana do kankrej. Impossível imaginar o atual estágio do melhoramento leiteiro do guzerá brasileiro sem a contribuição dos plantéis formados e desenvolvidos no antigo Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuária do Leste (IPEAL), em Cruz das Almas/BA, depois transferido para à então Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária da Paraíba (EMEPA), em Alagoinha/PB, assim como os rebanhos trabalhados por Manuel Dantas Vilar Filho, em Taperoá/PB, e pela Teotônio Agropecuária, no Ceará, além de outros criadores e instituições. 
 Visualizamos, portanto, Sr. Presidente, que o Nordeste não deva ser desconsiderado em quaisquer iniciativas de intercâmbio com a Índia que envolvam a raça guzerá. A ABCZ é uma só, tem abrangência nacional e assim compreendemos que ela tem compromisso com os guzeratistas
Daniel Pereira Dantas Vilar 
Presidente
autênticos do Nordeste Brasileiro. Na visão estratégica que nós todos compartilhamos, nordestinos, todos os brasileiros, indianos e demais criadores das faixas tropical e subtropical do planeta, a raça guzerá constitui um recurso genético fundamental, assumindo importância ainda maior nesse quadrante de crise climática global, antevendo possibilidades de aquecimento e expansão de zonas semiáridas. 
Entendemos que a ABCZ, em articulação com o setor público federal - notadamente o MAPA e a EMBRAPA - e dos Estados, deve atuar ativamente no resguardo do interesse nacional, no desenvolvimento presente e futuro de nossa pecuária. Assim, solicitamos esforços no sentido de que sejam franqueadas, transparente e participativamente, as informações envolvendo intercâmbios de caráter oficial com a Índia em pecuária, especialmente, no que nos diz respeito, os que envolvem a raça guzerá/kankrej. Onde e quando os temas se relacionarem a melhoramento leiteiro, os criadores dedicados a esse tipo de trabalho devem ser cientificados, sobretudo os que, em algum grau, tem contribuído com o PMNGuL. Da mesma forma, aos visitantes e pesquisadores indianos deve ser franqueadas, transparentemente, assim como o convite a eventuais inspeções in loco, sobre o universo dos trabalhos de melhoramento com a raça guzerá no Brasil. 
Gratos pela atenção e certos de sua sensibilidade e consideração às questões ora levantadas. Cordialmente,
Daniel Pereira Dantas Vilar 
PRESIDENTE 
E demais associados: 
Manoel Dantas Vilar Filho                               
Eduardo Aguiar de Almeida 
Joaquim Pereira Dantas Vilar                      
Fernando Augusto Trindade Navarro 
Alexandre de Medeiros Wanderley                      
José Bezerra de Almeida Neto 
Pablo de Menezes Seabra                                
Ricardo Nonato Silva de Sá 
João Tavares Flores Campos                             
Napoleão Silva Fulco Caldas 
Marcos Bispo dos Santos Andrade                             
Davi Pinheiro Teixeira 
Sérgio Lima Martins                          
Alexandre de Medeiros Wanderley Filho 

6 de jan. de 2020

Melhoramento genético de plantas forrageiras xerófilas: Revisão

Isaias Vitorino Batista de Almeida, 
José Thyago Aires Souza, 
Mateus Costa Batista
Resumo
A precipitação é a principal variável climática para o Semiárido brasileiro, sendo um fator limitante para produção de vegetais, principalmente em regiões com histórico de ocorrência de baixas pluviosidades. Por outro lado, a pecuária é a principal atividade econômica dessa região e a produção de alimento para os animais, infelizmente, ainda se constitui no maior gargalo. A presente revisão tem como objetivo principal descrever o melhoramento
genético das principais plantas forrageiras xerófilas cultivadas no Semiárido brasileiro e das espécies com potencial de cultivo para as áreas com registro histórico de baixas precipitações. As espécies discriminadas são: palma forrageira, capim buffel, algodão mocó, flor-de-seda, mandacarú, feijão-bravo e maniçoba. O programa de melhoramento genético dessas espécies se inicia com a formação de um banco ativo de germoplasma (BAG) e compreende a realização de diferentes estratégias, como a domesticação da espécie, que envolve o cultivo, avaliação, caracterização agronômica e bromatológica dos acessos, estudo de diversidade genética, seleção de plantas, hibridação, alteração cromossômica, uso de ferramentas de biotecnologia, entre outras estratégias. A execução de programas de melhoramento genético dessas culturas xerófilas torna-se uma ferramenta necessária para cultivo, domesticação de materiais silvestres e obtenção de novas variedades, com maior potencial de produção e com a função de elevar a renda das propriedades rurais do Semiárido brasileiro.
O termo "xerófita" foi introduzido por Warming em 1895 para caracterizar plantas que conseguem viver em ambientes áridos, ou seja, que completam seu ciclo vital em regiões carentes de água. A palavra "xerófita" é usada para designar "plantas resistentes à seca", sendo um o termo genérico que caracteriza os diferentes mecanismos encontrados nas plantas superiores que representam a resposta evolutiva do vegetal à pressão de seleção exercida pela seca. Existem, basicamente, três mecanismos: fuga à seca ou plantas efêmeras, tolerância à seca em altos níveis negativos de potencial hídrico e tolerância à seca em baixos níveis de potencial hídrico (Prisco, 1986). Para Duque (2004), as plantas xerófilas são aquelas que toleram a escassez d’água, que fogem aos efeitos da deficiência hídrica ou que resistem à seca.
O autor define que elas podem ser classificadas em três tipos, conforme o modo como conseguem sobreviver: efêmeras, suculentas e lenhosas. As efêmeras são as plantas que aproveitam a estação chuvosa para completar todos os estádios fenológicos, cujo ciclo não ultrapassa algumas semanas ou meses. As suculentas são as cactáceas perenes a exemplo da palma forrageira e do mandacarú. As xerófilas lenhosas são as árvores e os arbustos, as plantas perenes e caducifólias, incluindo as plantas nativas da Caatinga. A principal planta xerófila cultivada no Semiárido brasileiro é a palma forrageira, pois a pecuária é a principal atividade econômica dessa região. Segundo Andrade et al. (2006), a produção de alimento para os animais, infelizmente, ainda se constitui no maior problema da pecuária no Semiárido, principalmente em regiões com baixa precipitação. Para criar bovinos, caprinos ou ovinos, de forma lucrativa, os agricultores familiares não poderão utilizar apenas as caatingas ou os pastos nativos, como únicos recursos forrageiros para garantir a manutenção
https://www.bahiaredsindhi.com/
de seus rebanhos. É necessário o cultivo de plantas adaptadas como forma de aumentar o suporte forrageiro (Lima et al., 2010). Nesse sentido, com vistas a tentar solucionar o problema alimentar dos rebanhos, sobretudo no período seco do ano, pesquisadores recomendam o cultivo de plantas forrageiras xerófilas, como forma de reduzir os riscos de perda da produção decorrentes das flutuações sazonais da precipitação (Andrade et al., 2010; Andrade et al., 2006; Duque, 2004).


A precipitação é a principal variável climática para o Semiárido brasileiro, sendo um fator limitante para produção de vegetais, em virtude de ser altamente variável, imprevisível, onde comumente ocorre em eventos descontínuos, em forma de pulsos de relativa curta duração (Andrade et al., 2010). Historicamente é conhecida a existência das grandes secas no Nordeste, como também o insucesso no cultivo de culturas agrícolas. Nos últimos seis anos o Nordeste brasileiro passou por um dos maiores ciclos de seca da história, com precipitações anuais inferiores a 200 mm em alguns municípios; sendo o cultivo de plantas forrageiras xerófilas a principal estratégia de convivência com a seca, como forma de garantir produção de alimento volumoso nestes anos. O sucesso no cultivo de uma espécie xerófila depende, primariamente, do material genético utilizado, principalmente com espécies não domesticadas a exemplo da flor-de-seda (Calotropis procera (Ait.) W.T. Aiton), do mandacarú (Cereus jamacaru P. DC.), do feijão-bravo (Capparis flexuosa L.) e da maniçoba (Manihot ssp.), sendo, portanto, necessário a condução de um programa de melhoramento genético da espécie, para a seleção de genótipos com maior potencial forrageiro. Sendo assim, a presente revisão tem como objetivo principal descrever o melhoramento genético das principais plantas forrageiras xerófilas cultivadas no Semiárido brasileiro e das espécies com potencial de cultivo para as áreas com registro histórico de baixas precipitações. 
A presente revisão traz informações sobre as principais plantas forrageiras xerófilas cultivadas no Semiárido brasileiro e algumas etapas no programa de melhoramento genético de cada espécie, a exemplo da palma forrageira (Opuntia spp.) e do capim buffel (Cenchrus ciliaris L.), como também de espécies com potencial de serem cultivadas para produção de forragem, a exemplo do algodão mocó (Gossypium hirsutum L. r. marie galante Hutch), da flor-de-seda (Calotropis procera (Ait.) W.T. Aiton), do mandacarú (Cereus jamacaru P. DC.), feijão-bravo (Capparis flexuosa L.) e maniçoba (Manihot ssp.). O melhoramento genético vegetal é a arte e ciência de aperfeiçoar o padrão genético de plantas em relação ao seu uso econômico, tendo como objetivos: selecionar e desenvolver plantas com maior potencial produtivo, para novas áreas agrícolas, para áreas desfavoráveis, materiais com redução de constituintes tóxicos, com resistência à pragas e doenças ou mesmo para condições de estresses abióticos, por exemplo, hídrico, salino, entre outras finalidades (Fritsche-Neto & Borém, 2011). Para iniciar um programa de melhoramento genético de uma espécie de planta é necessário proceder a um planejamento do programa, ou seja, realizar, inicialmente, levantamento bibliográfico do que foi feito em programas semelhantes; levantamento do germoplasma existente no centro de origem da espécie; verificar o modo de reprodução da espécie; definir os objetivos e analisar os entraves para execução do programa (Fritsche-Neto & Borém, 2011). Para haver o estabelecimento do programa de melhoramento genético, inicialmente, deve existir um banco ativo de germoplasma (BAG), que é uma coleção viva do patrimônio genético de uma espécie vegetal, que detém um número expressivo de acessos, incluindo materiais silvestres, genótipos crioulos, linhagens e cultivares (Costa et al., 2012; Fritsche-Neto & Borém, 2011; Ramos et al., 2007). No caso de plantas não domesticadas, a exemplo da flor-de-seda, do mandacarú, feijão-bravo e maniçoba a formação do BAG consiste apenas de plantas silvestres. O objetivo central dos bancos de germoplasma é a conservação dos recursos genéticos vegetais visando preservar a variabilidade genética das espécies, podendo ser utilizados nos programas de melhoramento genético de plantas. Em geral, o programa de melhoramento possui etapas distintas, que envolve avaliação e caracterização agronômica dos acessos do BAG, estudo de diversidade genética, seleção de plantas, hibridação, alteração cromossômica, uso de ferramentas de biotecnologia, entre outras estratégias (Costa et al., 2012; Fritsche-Neto & Borém, 2011; Ramos et al., 2007). A execução do programa de melhoramento genético de plantas não é uma tarefa fácil, demanda tempo, possui custos elevados até atingir a função principal do programa que é proceder ao registro de cultivares. Dessa forma, recomenda-se o desenvolvimento de um programa de melhoramento genético com espécies xerófilas forrageiras domesticadas ou com potencial de domesticação a exemplo da flor-de-seda, visto ter características agronômicas favoráveis, como potencial fisiológico de sementes, crescimento e produção de fitomassa. 
A escolha da planta forrageira xerófila para cultivo no Semiárido brasileiro, principalmente para as áreas com registro histórico de baixas precipitações, deve ser com base na capacidade do vegetal em resistir à seca, na fenologia da espécie e por meio das características agronômicas e bromatológicas da espécie. Com relação à capacidade do vegetal em resistir à seca, esta é uma característica essencial para o sucesso na atividade pecuária em propriedades rurais do Semiárido, visto que, historicamente se sabe da ocorrência de secas no Nordeste. Cultivar plantas com resistência comprovada a esse fenômeno é

Pensamento do mês