26 de jul. de 2013

Carta ao povo nordestino.



É com profunda tristeza que acompanho nos últimos anos esta que é a maior seca de todos os tempos.  Por onde andei presenciei desolação, morte, quebradeira, falência, êxodo rural, desespero e sofrimento de um povo que já carrega a cruz do descaso imposta pela falta de conhecimento de sua própria situação enquanto cidadão. Péssimos serviços oferecidos nas áreas de educação, saúde e segurança pública. E um eficiente sistema de cobrança de impostos, que arrecada os mesmos valores em percentuais de outras regiões que são muito mais ricas e favorecidas pelo poder público.
Por onde andei presenciei desolação, 
morte, quebradeira, falência, 
êxodo rural, desespero e sofrimento 
de um povo que já carrega a cruz do 
descaso imposta pela falta de
conhecimento de sua própria 
situação enquanto cidadão.
Esquecidos no descaso da terra do sol, nós nordestinos aprendemos desde cedo quem são os senhores engravatados que, no litoral, sentados em confortáveis poltronas de salas climatizadas, regem nossos destinos. Muitas vezes vendem nossa liberdade nos transformando em farrapos, enquanto engordam suas contas bancárias. Como disse o nosso querido Euclides da  Cunha: “O martírio do homem, ali, é o reflexo de tortura maior, mais ampla, abrangendo a economia geral da vida. Nasce do martírio secular da terra”.
Comparo a atual situação dos produtores nordestinos com a situação dos trabalhadores rurais que sofrem com o trabalho escravo. No Trabalho escravo o dono da fazenda utiliza o recurso de manter os trabalhadores sempre endividados, para isso são obrigados a comprar os víveres e ferramentas na fazenda e, como sempre ganham menos do que devem, não conseguem quitar suas dívidas, sendo obrigados, por toda a vida, a trabalhar em troca de comida e mais nada. Os produtores do nordeste vivem na mesma armadilha, contraem empréstimos nos bancos oficiais para comprar as ferramentas de trabalho e, quando vem a seca, são obrigados a trabalhar em troca de comida sob o chicote do feitor pelo medo de terem suas terras leiloadas, sem sequer ter o direito de defesa.
“O martírio do homem, ali, é o reflexo de 
tortura maior, mais ampla, abrangendo a 
economia geral da vida. Nasce 
do martírio secular da terra”.
Esta sórdida política do endividamento e prorrogação é muito utilizada pelos agiotas que preferem não receber o principal da dívida, escravizando, assim ,com os juros, aqueles pobres coitados que tomaram dinheiro em suas mãos. É muito mais conveniente para o governo prorrogar as dívidas do que resolver a questão do endividamento. Se o problema do endividamento dos produtores rurais do nordeste for resolvido, como o governo continuará a controlar as lideranças regionais e a bancada ruralista no congresso? Qual o poder de barganha teria o governo na câmara ou no senado se os produtores rurais nordestinos não lhes devessem obediência? Será que no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso   a sua reeleição seria aprovada pelo congresso sem o apoio da endividada classe ruralista? Será que o PT, acostumado a episódios como o mensalão , com um governo de um despotismo sem limites, resolveria por definitivo o histórico endividamento dos produtores nordestinos, sabendo que poderiam perder o antigo e eficiente “beija mãos” ? Lógico que não.  Não há o menor interesse em acabar com o endividamento do setor rural do nordeste, que existe há décadas, porque o governo precisa ter agrilhoadas as principais lideranças políticas da região.
Não há o menor interesse em acabar com 
o endividamento do setor rural do nordeste, 
que existe há décadas, porque o governo 
precisa ter agrilhoadas as principais 
lideranças políticas da região.
O que assusta em todo este plano maquiavélico é que ele envolve seres humanos que são escravizados em pleno século XXI sem o menor pudor. Quantos pais de família já se mataram por não conseguirem pagar suas dívidas rurais? Quantos morreram de enfarto ou derrame ao se verem envoltos nesta satânica teia financeira de propósitos escusos?  Não seria
mais fácil para o governo  criar políticas públicas diferenciadas para o nordeste que  funcionassem? Será que esta triste mancha em nosso país se perpetuará para as próximas gerações? Vamos ficar de braços cruzados esperando as migalhas e esmolas  que nos são dadas, e vendo nossos filhos trilharem os mesmos caminhos?
Irmãos nordestinos! Não devemos conhecer o medo, e sim o respeito. Acredito que um homem ao menos tenha que honrar as calças que o seu pai lhe deu e, em nome de nossos antepassados, não podemos envergonhar os nossos descendentes. Chegou a hora de não aceitarmos mais as sobras oferecidas por nossos algozes! Exigimos uma política agrícola totalmente diferenciada e exclusiva para o sertão! Vamos as ruas, vamos ao congresso nacional dar um basta a esta escravidão financeira que insistem em nos impor. Lembremos de nossos irmãos sertanejos que em Canudos mostraram ao governo  federal de qual material somos feitos. Terra, honra e sangue.
“Canudos não se rendeu. Exemplo único
 em toda a história. Resistiu até o 
esgotamento completo".
“Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história. Resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.” (Euclides da Cunha)
Cezar Mastrolorenzo
Produtor Rural do Nordeste Brasileiro.
Secretário da Associação Brasileira dos Criadores de Sindi.

7 de jul. de 2013

Estimada Presidente Dilma



Vi, pela televisão, as reuniões de Vossa Mercê com os governadores nordestinos, desde a de Aracaju a de Fortaleza há poucos dias. Achei-as da maior importância, quase ótimas.

Tereza Maria, minha irmã muito querida e já aposentada, que tratava consigo quando dirigia a banda técnica de Empresas de energia elétrica na Bahia e no Rio Grande do Norte, comentava, com agrado, sua maneira de agir contra os mal- feitos e/ou omissões que encontrava em cada canto desses, como Ministra de Minas, e previu que sua atuação na Presidência do Brasil seria no mesmo estilo, forma e firmeza.

Entendi perfeitamente o que me dizia ela e me encantou como a senhora falou e decidiu sobre as ações de Governo para o Nordeste.

Quando chegava a vez das terras com secas, a alegria de ouvi-la até então, esmaecia-se e vi que não era uma culpa pessoal (nenhum Chefe de Estado pode ser especialista em todos os assuntos e tem que lidar com eles) e sim, pela pobreza da assessoria disponível, via Banco do Nordeste (BNB), que nos 60 anos de criado, no útero de uma Seca, como “Agência de Desenvolvimento do Nordeste”, nunca foi capaz de formular um sistema de financiamentos rurais que incorporasse a racionalidade e as idiossincrasias das secas recorrentes desse meu mundo.

Quando da extinção dos Bancos Públicos Regionais - Sul, Sudeste e Centroeste - o BNB escapuliu da lista mediante artifícios espúrios, eu diria, até amorais, engodando o então Ministro da Fazenda Pedro Malan, pelo cearense que presidia o Banco, seguramente um não abençoado pelo Santo Padre Cícero. Todo conterrâneo mais esclarecido encarou uma úlcerante indignação, como ficou bem claro, na reunião chamada “Grito da Seca”, com a presença de vários Ministros, todas as Federações de Agricultura do Brasil, a bancada parlamentar regional e milhares de produtores vitimados, realizada em Lages- RN, na Grande Seca de 1998.
Essa reunião foi aberta pelo meu primo-irmão Ariano Suassuna, seguida de uma palestra positiva sobre o semiárido feita por mim, uma outra mostrando o nível da inadimplência semeada pelo BNB e uma terceira, propondo um modelo decente de aplicação de FNE. O Nordeste seco, historicamente, era a região de menor taxa de inadimplência no Banco do Brasil.

A Constituição de 1988 criou os Fundos Regionais de Desenvolvimento. A pedido dos então Governadores Miguel Arraes (PE) e Geraldo Melo (RN), participei da elaboração de um Estatuto de Crédito Rural para o FNE que deveria submeter à Sudene cada Plano anual de aplicação, Sudene de onde saíra em 1° de abril de 1964. Os respectivos mandatos estavam no final e o BNB engavetou a proposta feita e malbarata o FNE até hoje.

Àquela época a Sudene, que havia conceituado a 1° abordagem mais ampla da zona seca, além da simplória e intelectualmente cômoda leitura hidraulicista da semiaridez, foi tratada como um foco de comunistas encravado no Recife- tempo em que comunista comia criancinhas - e o seu Departamento de Recursos Humanos, em formação apropriada, foi fechado e eu, também, fui saído de lá.

Logo adiante, por morte súbita do Pai, abandonei, inclusive, a Universidade onde amava ensinar Engenharia Civil e assumi, pelo consenso dos irmãos, a Fazenda herdada nessa região muito seca do Cariri Velho da Paraíba, nunca pesquisada pelas Instituições de Governo e de Ensino, locadas no Litoral chuvoso, que tem sua tecnologia bem definida universalmente.

Sou a 8° geração familiar nessa Fazenda e cuido dela com empenho integral e exclusiva dedicação, há quase meio século.

Abandonei as lotéricas lavouras temporárias da Agronomia oficial, que conflitam com a distribuição das chuvas daqui e fui buscar na Ásia x Norte da África os elementos biológicos (plantas e animais) de seus pré-desertos, compatíveis com a desarrumação de nossa pouca água natural. Produzir grãos numa Zona Seca, é , pelo menos, uma impropriedade.

Incorporamos aos campos dos capins perenes importados, as ovelhas deslanadas de carne enxuta e pele superior, nativas do NE, bem como as desprezadas e altivas cabras nativas, de leite rico e prolificidade acentuada. Ariano foi o ideólogo e eu o “zootecnista” desse processo e passamos a fabricar queijos diferenciados, seja pela raça das cabras, pelas ervas próprias da terra e pela maturação que o clima e as essências vegetais, igualmente nativas, como tempero dos queijos propiciam.

Essa iniciativa nossa, penosamente construída, por falta de bibliografia e informação apropriada, à custa de tentar errando e acertando, está na base da valorização que a Caprinocultura brasileira adquiriu (o NE seco abriga 96% do rebanho nacional) e da gratificação por ter feito, servindo aos produtores do semiárido real, conta e satisfação que eu e Ariano dividimos.

Uma seca braba

Pensamento do mês