É
com profunda tristeza que acompanho nos últimos anos esta que é a maior seca de
todos os tempos. Por onde andei
presenciei desolação, morte, quebradeira, falência, êxodo rural, desespero e
sofrimento de um povo que já carrega a cruz do descaso imposta pela falta de
conhecimento de sua própria situação enquanto cidadão. Péssimos serviços
oferecidos nas áreas de educação, saúde e segurança pública. E um eficiente
sistema de cobrança de impostos, que arrecada os mesmos valores em percentuais
de outras regiões que são muito mais ricas e favorecidas pelo poder
público.
Esquecidos
no descaso da terra do sol, nós nordestinos aprendemos desde cedo quem são os senhores
engravatados que, no litoral, sentados em confortáveis poltronas de salas
climatizadas, regem nossos destinos. Muitas vezes vendem nossa liberdade nos
transformando em farrapos, enquanto engordam suas contas bancárias. Como disse
o nosso querido Euclides da Cunha: “O
martírio do homem, ali, é o reflexo de tortura maior, mais ampla, abrangendo a
economia geral da vida. Nasce do martírio secular da terra”.
Comparo
a atual situação dos produtores nordestinos com a situação dos trabalhadores
rurais que sofrem com o trabalho escravo. No Trabalho escravo o dono da fazenda
utiliza o recurso de manter os trabalhadores sempre endividados, para isso são
obrigados a comprar os víveres e ferramentas na fazenda e, como sempre ganham
menos do que devem, não conseguem quitar suas dívidas, sendo obrigados, por
toda a vida, a trabalhar em troca de comida e mais nada. Os produtores do
nordeste vivem na mesma armadilha, contraem empréstimos nos bancos oficiais para comprar
as ferramentas de trabalho e, quando vem a seca, são obrigados a trabalhar em
troca de comida sob o chicote do feitor pelo medo de terem suas terras
leiloadas, sem sequer ter o direito de defesa.
Esta
sórdida política do endividamento e prorrogação é muito utilizada pelos agiotas
que preferem não receber o principal da dívida, escravizando, assim ,com os
juros, aqueles pobres coitados que tomaram dinheiro em suas mãos. É muito mais
conveniente para o governo prorrogar as dívidas do que resolver a questão do
endividamento. Se o problema do endividamento dos produtores rurais do nordeste
for resolvido, como o governo continuará a controlar as lideranças regionais e
a bancada ruralista no congresso? Qual o poder de barganha teria o governo na
câmara ou no senado se os produtores rurais nordestinos não lhes devessem
obediência? Será que no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso a sua
reeleição seria aprovada pelo congresso sem o apoio da endividada classe
ruralista? Será que o PT, acostumado a episódios como o mensalão , com um
governo de um despotismo sem limites, resolveria por definitivo o histórico
endividamento dos produtores nordestinos, sabendo que poderiam perder o antigo
e eficiente “beija mãos” ? Lógico que não.
Não há o menor interesse em acabar com o endividamento do setor rural do
nordeste, que existe há décadas, porque o governo precisa ter agrilhoadas as
principais lideranças políticas da região.
“O
martírio do homem, ali, é o reflexo de tortura maior, mais ampla, abrangendo a economia geral da vida. Nasce do martírio secular da terra”. |
Não há o menor interesse em acabar com o endividamento do setor rural do nordeste, que existe há décadas, porque o governo precisa ter agrilhoadas as principais lideranças políticas da região. |
mais fácil
para o governo criar políticas públicas
diferenciadas para o nordeste que funcionassem? Será que esta triste mancha em
nosso país se perpetuará para as próximas gerações? Vamos ficar de braços
cruzados esperando as migalhas e esmolas que nos são dadas, e vendo nossos filhos
trilharem os mesmos caminhos?
Irmãos
nordestinos! Não devemos conhecer o medo, e sim o respeito. Acredito que um
homem ao menos tenha que honrar as calças que o seu pai lhe deu e, em nome de
nossos antepassados, não podemos envergonhar os nossos descendentes. Chegou a
hora de não aceitarmos mais as sobras oferecidas por nossos algozes! Exigimos
uma política agrícola totalmente diferenciada e exclusiva para o sertão! Vamos
as ruas, vamos ao congresso nacional dar um basta a esta escravidão financeira
que insistem em nos impor. Lembremos de nossos irmãos sertanejos que em Canudos
mostraram ao governo federal de qual
material somos feitos. Terra, honra e sangue.
“Canudos
não se rendeu. Exemplo único em toda a história. Resistiu até o esgotamento completo". |
Cezar
Mastrolorenzo
Produtor
Rural do Nordeste Brasileiro.
Secretário
da Associação Brasileira dos Criadores de Sindi.