17 de out. de 2020

A VIDA NAS FAZENDAS

Extraído do livro: 
A Moderna Agropecuária - O drama da sua evolução
2ª edição – 1993 Gilberto Moraes
(Prefácio de Gilberto Freyre)

Houve, em todas as épocas, uma atávica idealização super valorativa da vida dos campos a alimentar a nostalgia que dela sente uma boa parte de citadinos. Se os prazeres e o conforto crescente dos centros urbanos concorrem para o abandono e depreciação da vida campestre, por outro lado os inconvenientes e as amarguras da concorrência, o congestionamento das ruas, das praias, do comércio, do transporte, a massificação, a saturação de uma promiscuidade sufocante num clima de competição dolorosa, tudo isso faz pensar na largueza dos horizontes rurais como o doce refúgio do indivíduo da tirania do coletivizante ambiente das cidades. 
Não creio que seja muito elevado o número daqueles que se deixem seduzir totalmente pelas atrações urbanas a ponto de não se lembrarem com saudade ou inveja, em nenhum momento, de uma paisagem campestre. Sei que existe e conheço muita gente incapaz de dormir uma só noite numa
...verdadeira fobia à solidão, ao silêncio...

fazenda, possuída de uma verdadeira fobia à solidão, ao silêncio, e que só se sente em segurança e à vontade em meio ou próximo à multidão, ouvindo os ruídos familiares do organismo comunitário. 
Há também os que têm horror à poeira das estradas e os demasiados comodistas para os quais o campo lembra um esforço físico maior que o cos­tumeiro, uma caminhada mais longa, o exercício mais violento de montar a cavalo, um cotejo inglório com o vaqueiro ou com a camponesa. A mecanização e o automatismo da vida das cidades disfarçam e até estimulam as deficiências físicas, a preguiça mental e muscular, a volúpia das escadas rolantes e dos televisores. 
Posso imaginar que o homem da rua se sinta mais que desprotegido no campo. Inibe-se, paralisa-se. E que ele se acha condicionado pelo hábito da propaganda e do policiamento, dos quais já é um robô. Em casa, o citadino é instruído pelo rádio e TV, sobre as compras de que precisa (em nossa sociedade de consumo ele precisa cada vez mais de coisas) e na rua as regras do trânsito o levam com uma presença que se acentua progressivamente. 
Nada revela melhor a contraste que o sofrimento do homem do campo quando vai à cidade. Mesmo apreciando as maravilhas, ele se sente molestado; dorme mal, sufoca na prisão e acaba regressando antes do tempo, com verdadeira sensação de alívio.  
Acredito que no futuro se inverta o rumo do êxodo que se observa hoje do campo para a cidade. A descentralização rural acaba se impondo à centralização urbana. Imperativos de saúde pública forçarão o aperfeiçoamento das técnicas dos serviços coletivos, prescindindo-se da concentração de usuários, como ainda da construção de moradias que deverá sofrer uma revolução completa. A residência do futuro parecerá mais uma casa de campo que um apartamento. 
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Na era planetária, em que o mundo se transforma, segundo Mc Luhan, numa aldeia global, a diferença entre cidade e campo, que era de espaço-tempo, se reduz consideravelmente. A Europa, que não embarcou na aventura do arranha-céu, talvez se ajuste sem maiores dificuldades ao conceito de moradia do porvir, que implicará de certo numa desverticalização.
A meu ver as cidades se tornarão menos densas, se espichando até se encontrarem, constituindo uma superfície povoada contínua. Numa sociedade de consumo em massa, assistiremos ao dimensionamento mundial da indústria, dos serviços, com uma interligação orgânica dos seus sistemas e uma distribuição e circulação econômica que não permitirão espaços geográficos vazios. 
Até lá, e para ajudar a chegar, o homem do campo terá de treinar bastante para desempenhar tarefas muito importantes e que exigirão uma diversificação de qualidades superior à do citadino Até aqui foi possível desenvolver uma região e abandonar outras. Agora, só há um conceito de crescimento: o harmônico. Nunca a cidade dependeu tanto do campo quanto nos dias de hoje. Todo o país precisa despender um esforço enorme para integrar o campo no mesmo ritmo do progreso urbano.
A primeira dificuldade  é levar o homem da rua a conhecer a realidade dos sertões, fazendo-o perder as ilusões quanto à abundância de tudo e as facilidades da vida naquelas paragens. E se convencer de que, quando uma garrafa de leite está custando menos que uma de água mineral, quem está empobrecendo é o país e o pecuarista é quem está sofrendo a injustiça. 
Uma revista norte-americana enumerou as vantagens de se morar no campo. Estar fora do alcance das poeiras industriais, do excesso de ruído, das restrições dos eventuais racionamentos de gêneros, dos bombardeios em caso de guerra, dos rigores de uma ocupação militar. Além disso, não se precisa de propaganda para vender o que se produz tendo-se preço e mercado garantido. Esta última vantagem é muito relativa em nosso país, pois o tabelamento e as ameaças de importação aviltam os preços, espoliando os produtores. 
Mas, ainda assim, a vida nas fazendas oferece aspectos fascinantes. Vive-se um pouco daquilo de que, em geral, todos gostam. Faz-se pioneirismo e, mesmo quando não se experimenta algo inédito, se descobre coisa nova ou se ocupa terra virgem, a rotina sempre oferece um sabor de aventura.
De uma doença generalizada em nosso tempo é
certo que o campo é um refúgio: às neuroses.

A intimidade com
a natureza favorece muito a emoção criadora do homem, renovando-o em cada trabalho campestre, como se todos os dias fossem diferentes. 
A construção de uma casa, de um simples galpão, de uma ponte, a fundação de uma lavoura dão ao camponês uma alegria mais intensa e mais consistente que ao citadino qualquer obra mesmo mais importante. O homem massa das concentrações urbanas jamais conhecerá a alegria e a liberdade do centauro dos pampas nem do rei das montanhas. Um arranha-céu poderá ser um palácio em saudáveis alturas, mas não perderá nunca o caráter de lar coletivo e, de certo modo, de uma prisão. 
Em vez da multidão, um belo rebanho de ovelhas brancas ou um rodeio de pampas ou uma tropilha de tordilhos. Caminhar alcançando o horizonte sem fim em vez das congestionadas calçadas com filas, faixas de segurança e a ameaça constante do tráfego. Sõ no mar e no campo se tem necessidade de binóculos. 
Na planície ou na serra, o homem está mais perto de si mesmo, mais consciente da sua dignidade. Na rua ele é fragmento da alma coletiva, molécula da onda humana que se agita. Conheci vários doentes à espera da morte que exigiram quartos de hospital dos quais se ouvisse bastante barulho de gente. Homens da cidade com terror à solidão e que se avizinharam da pior de todas porque desconhecida. 
Uma grande fazenda bem organizada ostenta um pouco do fascínio de um quartel posto avançado da civilização, em meio do deserto e de uma fábrica. A televisão num lugar assim é uma festa. O homem do campo está sendo o maior beneficiário da tecnologia que, entretanto, resultou da aglomeração urbana.
Mas, essa paz bucólica, tal clima de estímulo para uma personalidade criadora, para unia imaginação fecunda, precisa ser aproveitada para um trabalho mais nobre ainda, de alto rendimento cientifico e técnico. O apogeu da antiga da antiga agroindústria açucareira nordestina, a dos engenhos e banguês, criou um clima de cultura estimulante, do qual resultou uma elite que dominou uma quadra da nossa história
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política. Ainda hoje em alguns engenhos remanescentes, se encontram bibliotecas riquíssimas, denotando o bom gosto e o elevado grau de conhecimento da época. Atualmente, com a evolução da pesquisa e da ciência agrícola, os fazendeiros deveriam enriquecer suas bibliotecas, criando um ambiente e uma tradição de cultura para os filhos e empregados de mais categoria. A tecnificação dos campos assim o exige.
Há em São Paulo, Minas Gerais, no Rio Grande do Sul e outros Estados fazendas com magníficas bibliotecas e que são realmente usadas pelos donos.
A influência que exercem é

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