6 de jan. de 2019

A seca de 2012-15 no semiárido do Nordeste do Brasil no contexto histórico


Por: Jose A. Marengo,  Ana P. Cunha e  Lincoln M. Alves

Resumo

Episódios de secas na região têm sido relatados desde o século 16, sendo recorrentes na região. Enquanto algumas medidas foram tomadas pelos governos para atenuar os impactos, ainda há uma percepção de que os moradores, principalmente em áreas rurais no semiárido, ainda não estão adaptados a estes perigos. A seca que assola o semiárido do Nordeste desde 2012 a 2015, teve uma intensidade e impacto não vistos em várias décadas e já destruiu grandes áreas de terras agrícolas, afetando centenas de cidades e vilas em toda a região, e deixando pequenos agricultores que lutam para obter água. Alterações na circulação atmosférica e precipitação detectadas desde o verão de 2012 sugerem um papel ativo das águas superficiais mais frias do que o normal no Pacífico equatorial, e uma zona de convergência intertropical deslocada anomalamente para o norte de sua posição normal, com aumento da subsidência sobre o Nordeste Brasil. No Nordeste do Brasil sinais de seca começaram a aparecer em dezembro de 2011 e se intensificaram durante o verão e outono de 2012, gerando deficiência hídrica em quase todo o semiárido desde o centro-sul da Bahia até o Rio Grande do Norte e Ceara em 2011-14. Desde 2013até 2015 a maior concentração de déficit hídrico incluiu particularmente o norte da Bahia, oeste do Pernambuco e o leste do Piauí, onde a situação de seca ainda persiste. O evento El Niño em 2015 agravou a situação de seca iniciada em 2012.

1. Introdução: A região semiárida do Nordeste do Brasil (NEB) situa-se entre 2,5 ° S e 16,1 ° S e 34,8 ° W e 46 ° W,com uma área de cerca de 1.542.000 km2, ou cerca de 18,26% da área do Brasil (Magalhães et al., 1988), e é a mais densamente populosa entre as terras secas do mundo,com mais de 53 milhões de habitantes, ou aproximadamente 34 habitantes por km2. O NEB é vulnerável aos extremos observados da variabilidade climática, e cenários globais e regionais de mudanças climáticas no futuro indicam que a região poderia ser afetada pelo déficit de chuvas e aumento da aridez no próximo século (Marengo et al. 2016, Vieira et al. 2015). As secas são um fenômeno natural, uma alteração do regime hidro meteorológico, e no NEB elas afetam os moradores, principalmente os mais vulneráveis da região semiárida, criando situações de deficiência hídrica e riscos para a segurança alimentar, energética e hídrica na região (Eakin et al. 2014). As secas fazem parte da variabilidade natural do clima na região, e ocorreram no passado, estão ocorrendo no presente e de acordo com as projeções de mudanças climáticas, é provável que continuem e intensifiquem no futuro (Marengo et al. 2016). A seca não atinge todo o NEB, ela se concentra numa área conhecida como Polígono das Secas, que envolve as regiões semiáridas de parte de oito estados nordestinos (AL, BA, CE, CE, PB, PE, PI, RN e SE) e parte do norte de MG. Eventos de seca no passado nos estados NEB, geraram perdas massivas de produção agrícola e pecuária, perda de vidas humanas pela fome, desnutrição e doenças, e deslocamentos de pessoas, bem como impactos sobre as economias regionais e nacionais. A inclemência das secas há tempo arrasa a terra e a vida do sertanejo.  Ainda assim, “apesar das dolorosas tradições que conhece através de um sem-número de terríveis episódios, ele alimenta a todo transe esperanças de uma resistência impossível”, narrou Euclides da Cunha (1866-1909) em Os sertões. Esse texto é de 1902. No presente, a migração devido à seca não ocorre mais nas proporções dramáticas. A seca que se intensificou em 2012 e ampliou em 2015 é considerada a mais grave das últimas décadas e tem tido um impacto em muitos distritos das regiões semiáridas nos estados do NEB, afetando quase 9 milhões de pessoas (Marengo et al. 2016). Políticas públicas para mitigar os impactos da seca, tais como linhas de crédito disponíveis aos pequenos agricultores e a distribuição de água por meio de carros pipa) fez diminuir um pouco os impactos, mas,as políticas de gestão de crises, podem ter sido insuficientes para suportar a seca plurianual excepcional de
2012-2015. A sobreposição de secas às tensões sócio-econômico-políticas pré-existentes coloca uma intensa pressão sobre a disponibilidade de água doce e de qualidade na região e ameaça a água, energia e segurança alimentar (por exemplo, Gutiérrez et al. 2014). A perspectiva de aumentos na frequência e duração dos períodos secos e secas em climas futuros no NEBtem gerado preocupação entre os gestores de recursos naturais, agricultores, especialistas em desenvolvimento,pesquisadores e formuladores de políticas, os quais tentam entender a extensão em que essas mudanças vão afetar os recursos hídricos , produção de alimentos, renda e subsistência. A longo prazo, os déficits projetados de chuvas na região, juntamente com o aumento da temperatura e secas mais frequentes e períodos de seca podem exacerbar a degradação ambiental. Portanto, neste artigo apresentamos um histórico de secas passadas e presente se discutimos algumas das causas físicas envolvidas, incluindo o papel de El Niño e o Oceano Atlântico tropical na seca de 2012-15. 
2. Secas: aspectos históricos, variabilidade interanual e causas físicas no NEB De acordo com a Universidade do Nebraska (drought.unl.edu), no sentido mais geral, uma seca origina-se a partir de uma deficiência de precipitaçãodurante um período prolongado de tempo - geralmente uma estação ou mais - resultando em uma escassez de água para alguma atividade, grupo ou setor ambiental. Seus impactos resultam da interação entre o evento natural (menosprecipitação do que o esperado) e a demanda de pessoas para uso de água, no abastecimento de água para a população, agricultura e pecuária. Assim, as atividades humanas podem exacerbar os impactos da seca. Em termos físicos, mudanças na temperatura da superfície do mar (TSM) no Pacífico tropical que se manifestam com os extremos em casos de El Niño-Oscilação Sul (ENOS) podem afetar precipitação sobre oNEB através de mudanças na circulação Walker orientada zonalmente (Ambrizzi et al., 2004). No entanto,ENOS explica apenas uma parte da variabilidade da precipitação na região. Kane (1997) mostra que de 46 eventos de El Niño (fortes e moderados), durante 1849-1992, apenas 21 foram associados com as secas no norte do Nordeste do Brasil. A partir das mais recentes secas de 1992, 1998, 2002, 2010 e agora 2012-2015, apenas os de 1998, 2002 e, recentemente, em 2015 as secas aconteceram durante um evento El Nino. Em 2015 a situação foi agravadapela deficiência que já existia pelo menos há 3 anos (Figura 1). Na verdade, a chuva no NEB é marcada por uma forte variabilidade interanual, parte da qual tem sido atribuída ao ENOS, enquanto outros eventos de seca são devidos a uma posição anormalmente mais ao norte daZona de Convergência Intertropical (ZCIT)
sobre o setor do Atlântico, devido a um Oceano Atlântico Tropical Norte mais quente (Moura e Shukla 1981; Hastenrath 1990, 2012, Andreoli et al. 2012, Nobre e Shukla 1996, Marengo et al. 2013, 2016). As secas têm sido relatadas no NEB desde o século 16. A história das secas na região, como coletados de várias fontes (Araújo 1982, Magalhães et al., 1988,Gutierrez et al. 2014, Wilhite et al. 2014) e atualizada neste estudo pode ser resumida nesta lista: 1583, 1603, 1624, 1692, 1711, 1720, 1723-1724, 1744-1746, 1754, 1760, 1772, 1766-1767, 1777-1780, 1784, 1790-1794, 1804, 1809, 1810, 1816- 1817, 1824-1825, 1827, 1830-1833,1845, 1877-1879, 1888-1889, 1891, 1898, 1900, 1902-1903, 1907, 1915, 1919, 1932-1933, 1936, 1941-1944,1951- 53, 1958, 1966, 1970, 1976, 1979-1981, 1982-1983, 1992-1993, 1997-1998, 2001-2002, 2005, 2007, 2010 e 2012-2015. Desde a década de 1950 o governo começou a tomar medidas contra as secas, incluindo a construção de cisternas e canais e criação de programas sociais para as pessoas afetadas. Desde 1970 não há mais registro de mortes devido à seca, embora o êxodo do semiárido durante as secas continua ainda que em grau muito menor. Talvez a seca mais cara durante o século 20 foi em 1979-1983, quando as despesas do governo atingiram cerca de US $ US 7,8 bilhões.

3. A Seca de 2012-2015: características, causas e impactos A Figura 1 mostra que 2010 já foi um ano seco, e que no período 2010-15, somente 2011 teve chuvas acima da média, mas este foi seguido pelos déficits de precipitação mais graves em 2012. Isto sugere uma natureza multianual da atual seca, dos quais os primeiros sinais começaram em 2010. Segundo Marengo et al. (2013, 2016), as estações chuvosas de fevereiro a maio no NEB em 1998 e 2012 foram as mais secas entre 1961 e 2012, caracterizadas pelo percentil muito seco. Vários estudos têm indicado que a maior parte do NEB tende areceber mais precipitação durante episódios La Niña, mas o ano de 2012 não seguiu o padrão. Durante o evento La Niña de 2012, o mesmo ano em que houve inundações recorde no leste da Amazônia, o NEB declarou estado de emergência na maioria dos distritos na região devido a uma seca considerada a mais grave nas recentes décadas.
As causas meteorológicas do inicio da seca de 2012são apresentadas por Marengo et al. (2013). Em 2012 e 2013, mudanças na circulação atmosférica e precipitação são consistentes com a atuação de águas superficiais mais frias que o normal no Pacífico equatorial, commovimento ascendente acima do normal e precipitação no leste da Amazônia a uma resposta típica de convecção atmosférica à SST fria no Pacífico tropical. Na alta atmosfera, a circulação apresentou maior divergência sobre a Amazônia e uma maior convergência na região Nordeste do Brasil, com um movimento ascendente intenso no leste da Amazônia durante o verão austral esubsidência anômala sobre NEB durante o outono austral de 2012. Sobre o Atlântico Sul, águas anormalmente mais frias durante Setembro de 2011 e, mais tarde, durante Março-Maio 2012 induziram uma intensificação da pressão no Atlântico Sul, e quando as águas anomalamente frias no Atlântico Sul migraram para o norte (10-200S). Subsequentemente, esta alta pressão interagiu com a subsidência induzida pelo forte movimento ascendente na Amazônia, determinar condições de menos chuva no NEB. As condições de menos chuva começaram a aparecer em dezembro de 2011 no setor norte e depois se estenderam a todo o NEB durante a quadra chuvosa FM AM 2012. Devido a um papel ativo da alta pressão subtropical do Atlântico, a qual esteve mais interna e mais perto do continente, isso determinou subsidência de baixo nível que afeito negativamente o regime das chuvas NEB. As Figuras 2 e 3 apresentam a evolução temporal e o padrão espacial da seca considerando o número dedias com déficit hídrico (NDDH, Fig. 2) e o percentual de anomalia do índice de suprimento de água para vegetação (VSWI, Fig. 3) entre os anos hidrológicos (outubro-setembro) de 2011 até 2016. O NDDH é calculado a partir do modelo de balanço hídrico (Souza et al., 2001; Rossato et al., 2005) desenvolvido pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/INPE). O NDDH estima o número de dias em que o crescimento da vegetação é restrito em razão da insuficiência de água no solo (umidade do solo abaixo de um valor crítico). De modo geral, quando as chuvas no trimestre chuvoso são bem distribuídas e suficientes, o número de diascom déficit tende a ser pequeno, e contrário ocorre quando as chuvas são escassas ou mal distribuídas no tempo (veranicos), em que o

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