Gherman Garcia L. de Araújo, Severino G. de Albuquerque, Clóvis Guimarães Filho - Pesquisadores da Embrapa Semi-Árido - Caixa Postal 23.
56300-970 - Petrolina, PE
INTRODUÇÃO
A pecuária tem se constituído, ao longo tempo,
em função das condições edafo-climáticas desfavoráveis, na atividade básica das
populações rurais distribuídas nos 95 milhões de hectares da região semi-árida
nordestina. As lavouras tem sido consideradas apenas como um sub-componente
inexpressivo dos sistemas de produção predominantes, face a sua maior
vulnerabilidade as limitações ambientais. O rebanho nordestino, embora
expressivo (25,9 milhões de bovinos, 10,4 milhões de caprinos e 7,5 milhões de
ovinos), segundo o
IBGE (1991), apresenta níveis de produtividade bastante
baixos. Guimarães Filho e Soares (1992) citam para bovinos sob sistema
tradicional de caatinga, índices anuais de parição
em torno de 40%, taxas de
mortalidade de bezerros acima de 15% e peso vivo médio ao abate de 340 kg, aos
4 -5 anos de idade. Para caprinos, os números são também indicadores de um
pobre desempenho. Guimarães Filho (1983) cita intervalos entre partos
superiores a 300 dias e taxas de mortalidade de crias de ca. 35% ao ano. Este
baixo desempenho zootécnico se deve, principalmente, a forte dependência que os
sistemas de produção tem da vegetação nativa da caatinga, fonte alimentar
básica, quando não única, dos rebanhos. A acentuada redução anual na oferta de
forragem, durante as estações secas, é o principal fator determinante do nível
de produtividade. Alternativas convencionais de redução ou solução desses
problemas, tem surtido resultados quase negligenciáveis, em função, também, de
limitantes de ordem estrutural, tais como, tamanho e precárias condições de
posse da terra, falta de organização dos produtores, descapitalização e acesso
limitado ao credito, pouco acesso a assistência técnica e serviços de apoio, e
cujo equacionamento é condição prévia para a obtenção de índices expressivos de
adoção das inovações tecnológicas geradas. Mesquita et al. (1988) relatam que
na estação chuvosa (período de crescimento), a vegetação da caatinga alcança
seu máximo de produção. Entretanto, durante a estação seca (período de
dormência), variando de 6 a 8 meses, as produções de fitomassa descem a valores
muito baixos, e mesmo sem a presença dos animais, em áreas deferidas, a ação do
intemperismo provoca perda que pode chegar até 60% da produção da área. É neste
período que a participação das folhas secas que caem das árvores e ficam
disponíveis para os animais, no solo, fornecem importante componente, tanto na
proteção do solo quando ocorrem as primeiras chuvas, como também na alimentação
dos
animais, quando oriundas de plantas forrageiras. Esses aspectos reforçam o
uso estratégico de alternativas alimentares, como forma de suplementação
nutricional desses animais, objetivando melhorar os índices de produtividade e
consequentemente a renda familiar dos produtores desse setor. Estudos efetuados
pela Embrapa Semi-Árido demonstraram que o uso planejado e diversificado de
opções forrageiras, nativas ou introduzidas, pode aumentar a chance de sucesso
dos sistemas de produção pecuária. Neste trabalho, procura-se sintetizar as
principais características do sistema Caatinga, Bufell e Leucena (CBL) e reunir
informações disponibilizadas por diferentes instituições de pesquisa e ensino
do Nordeste, sobre o uso de opções forrageiras arbustivas e arbóreas, nativas
ou introduzidas, dentro de um contexto de "Sistemas Agroflorestais
Pecuários".
A acentuada redução anual na oferta de forragem,durante as estações secas, é o principal fator determinante do nível de produtividade. |
O uso planejado e diversificado de opções forrageiras, nativas ou introduzidas, pode aumentar a chance de sucesso dos sistemas de produção pecuária. |
SISTEMA CAATINGA - BUFELL - LEUCENA (CBL)
Estudos da Embrapa
Semi-Árido identificaram, para a caatinga hiperxerófila do Sertão pernambucano
do São Francisco, uma capacidade de suporte de 15 a 20 ha/UA/ano (Salviano et
al., 1982), em função da variação pluviométrica entre anos. Embora Araújo Filho
(1990) tenha demonstrado no Ceará, a possibilidade de se elevar a capacidade de
suporte da caatinga de 10 - 12 para 2,5 - 4,5 ha/bovino/ano, pelo uso de
técnicas de manipulação da caatinga (rebaixamento, raleamento, etc.), isto não
pode ainda ser comprovado no tipo de caatinga arbustivo-arbórea densa
predominante no Sertão pernambucano. Com estas técnicas, contudo, há perspectivas
de se obter um aumento na produção de matéria seca/ha no período verde, em
detrimento da oferta da forragem disponível durante o período seco. Com uma
capacidade de suporte desta magnitude e uma estrutura fundiária onde mais de
90% são estabelecimentos com área inferior a 100 ha, a alternativa para os
sistemas pecuários do Sertão pernambucano, seria procurar ganhos de
produtividade no fator terra. Isto só seria possível com um manejo racional da caatinga, utilizando-a apenas naquele período de 2 a 4 meses ao ano, quando ela
oferecesse a máxima oferta de forragem, em termos quantitativos e qualitativos.
Para o
restante do ano, o sistema produtivo seria complementado com pastos
cultivados, e com gramíneas e leguminosas na forma de forragem conservada. Para
as áreas onde é possível alguma agricultura, os restolhos dariam um complemento
importante ao sistema. Para as áreas mais secas, uma reserva estratégica de
palma forrageira (Opuntia ficus-indica Mill.) seria recomendável. Para
aplicação de um sistema desse tipo, a Embrapa Semi-Árido, com base em estudo do
Ministério da Agricultura (Brasil, 1979), identificou preliminarmente no Sertão
de Pernambuco, que cobre uma área de 6,8 milhões de ha, áreas com potencial para
o tipo de pecuária acima mencionado, as quais correspondem a 3,3 milhões de ha
(49% da área). Para se melhorar o desempenho da pecuária da região, a Embrapa
Semi-Árido, delineou um sistema de produção com base na caatinga, com a
incorporação do capim buffel e de uma área destinada a produção de um volumoso
com nível de proteína mais alto, cuja fonte é uma leguminosa, chamado por isso
de sistema CBL, que pode ser a leucena (Leucaena leucocephala (Lam.) De Wit.),
o guandu (Cajanus cajan (L.) Millsp.), a gliricídia (Gliricidia sepium (Jacq.)
Walp.), ou até mesmo a maniçoba (Manihot pseudoglaziovii Pax & K. Hoffm.),
que não é uma leguminosa, mas que, graças às pesquisas na Embrapa Semi-Árido,
deixou de ser considerada uma planta tóxica, para aos poucos, se tornar uma
COMANDANTE BRS |
Gliricidia sepium |
forrageira lenhosa muito importante. Estas forrageiras são submetidas a cortes
na época das chuvas para produção de feno ou silagem. Entre outras forrageiras
que devem e podem ser incorporadas ao CBL, a palma tem um grande relevância,
por ser um volumoso, tido como energético e seguro nas secas prolongadas
(Albuquerque, 1999b). No CBL, tanto o pastejo na caatinga quanto no capim
buffel são estratégicos. Na estação chuvosa, bovinos e caprinos são mantidos na
caatinga, enquanto que na época seca, os bovinos são removidos para o capim
buffel, onde tem acesso à área de leguminosa, ou recebem feno dela no cocho.
Enquanto isto, os caprinos são mantidos na caatinga o ano inteiro, onde na
seca, dependendo da necessidade, também recebem suplementação volumosa
(Albuquerque, 1999b). O ponto mais importante neste enfoque é que o pecuarista
veja que tanto uma importante gramínea, quanto uma forrageira rica em proteína
são incorporados ao sistema. Como pode ser visto nos Quadros 1 e 2, o
desempenho bovino aumenta significativamente com a incorporação do capim buffel
e da leucena. Com relação à caatinga, por tratar-se de um ecossistema frágil,
apenas uma parte da vegetação nativa deve ser eliminada, e há o consenso entre
os especialistas em caatinga, de que a parte a ser deixada deve ser entre 40 e
60 % da área total. Com isto, há uma certa variedade de produtos a serem
retirados do sistema (Quadro 2) (Albuquerque, 1999b).
Quadro 1 -
Desenvolvimento de garrotes azebuados, sob sistemas de pastagens diferentes
Fontes: 1Araújo Filho (1985); 2Dado proveniente da
produção de 305,7 kg/árvore/ano (Brito et al., 1996) multiplicado por 2,3
árvores/ha (Albuquerque, 1999a); 3Carvalho (1969); 4Adaptado de Guimarães Filho
e Soares (1999); 5Deduzido de 60 % do sistema tradicional.
O sistema concebido
pela Embrapa, já se acha em processo de avaliação e, diversos trabalhos
comprovaram a viabilidade das diferentes espécies para as condições do Sertão
pernambucano, permitindo assim a concepção do CBL. Em experimento conduzido por
três anos, Guimarães Filho e Soares (1997) observaram que garrotes
suplementados com apenas 1,5 kg de feno de leucena/cab/dia, durante o período
seco, estavam ao final do período experimental, 03 arrobas mais pesados que
aqueles que também pastavam no capimbuffel no período seco, mas não tinham
acesso ao feno. Comparados com garrotes submetidos ao sistema tradicional de
caatinga, a diferença elevou-se a 05 arrobas. Um modelo físico do sistema CBL
envolvendo cria-recria de bovinos foi implantado preliminarmente na Embrapa
Semi-Árido, a partir de 1991, numa área de 87 ha, na qual 35,0 ha (40%) são
ocupados por capim-buffel, 2,66 ha (30%) por leucena e os restantes 49,9 ha
(57%) por caatinga bruta. Considerando o período dezembro/91 a novembro/92, a
taxa de parição das vacas alcançou 76,2%, ou seja, quase duas vezes a taxa
obtida nos sistemas tradicionais, o que é um indicativo bastante promissor das
potencialidades do sistema. O Projeto Caatinga, elaborado pela Companhia de
Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF) com base na pesquisa da
Embrapa, estima que uma propriedade com 100 ha pode chegar a gerar uma receita
líquida de até US$ 8 mil dólares/ano. No modelo tradicional, a estimativa é que
esse valor seja inferior a US$ 1,000 dólares/ano. No Projeto Caatinga se prevê
a instalação de sistemas do tipo CBL em 200 mil ha de propriedades familiares
nos estados da Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas. É um investimento de US$
77.8 milhões, que está sendo captado junto a uma instituição de fomento ligado
ao Governo do Japão.
FORRAGEIRAS ARBUSTIVO-ARBÓREAS NATIVAS
A vegetação nativa
dos