Jacob Silva SOUTO,
Mário Medeiros DAMASCENO,
Danielle Piuzana MUCIDA,
Israel Marinho PEREIRA
RESUMO:
O
uso desenfreado dos recursos naturais tem como reflexo um elevado grau de
degradação do ambiente causando prejuízo na dinâmica natural do ecossistema.
Neste contexto, o presente estudo objetivou verificar o potencial de uso de
técnicas nucleadoras em área degradada da Fazenda Cachoeira de São Porfírio,
município de Várzea, semiárido do Estado da Paraíba. Foram utilizados poleiros
artificiais secos e enleiramento de galharias visando a formação de núcleos de
atração a fauna dispersora de propágulos. O experimento foi avaliado por 12
meses. Os poleiros foram utilizados por aves durante o período experimental,
incrementando a chuva de sementes da área. O
enleiramento de galharia, que
simula abrigos artificiais para a fauna e microrganismos, atuam na decomposição
desse material. Verificou-se decomposição do material formador das leiras com
diminuição do volume original e adição de matéria orgânica ao solo. Foram
contabilizadas 125 sementes, principalmente de Jatropha curcas L. (pinhão
manso) e Cnidosculus queercifolius Pohl (faveleira), nos coletores colocados
sob os poleiros, o que indica presença de aves no local do experimento.
Portanto, tais técnicas nucleadoras atuaram no incremento na chuva de sementes
e aumento de conteúdo da matéria orgânica no solo e, utilizadas em conjunto,
favoreceram a sucessão natural e a reintrodução de plantas e animais na área
degradada. Palavras-chave: degradação ambiental, caatinga, dispersão de
sementes.
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1.
INTRODUÇÃO
O uso desenfreado dos recursos naturais tem
como reflexo um elevado grau de degradação ambiental, resultando, em muitos
casos, em significativa perda da qualidade de vida. O uso inadequado do
ambiente provoca uma quebra na dinâmica natural do ecossistema, prejudicando de
forma geral a todos os elementos que o compõem. A degradação ambiental é um
problema de dimensões globais que ocorre em intensidades variadas, com destaque
nas regiões áridas, semiáridas e subúmidas secas como resultado de vários
fatores, principalmente o antrópico. No Brasil, essas áreas têm em comum a
baixa relação entre precipitação pluviométrica e evapotranspiração resultando,
em geral, na falta de água para o consumo vegetal, animal e humano. Além disso,
situam-se na região semiárida, sendo denominadas de núcleos de desertificação.
Causas de degradação podem ser decorrentes de retirada
de solo, uso
indiscriminado do fogo, supressão da vegetação, invasão biológica, caça e
extrativismo ou isolamento de áreas devido à fragmentação florestal. Quanto maiores os níveis de degradação, mais
esses fatores inibem ou impedem a sucessão (KAGEYAMA et al. 2008). Em geral, em
núcleos de desertificação são encontradas áreas com grandes manchas desnudas,
presença ou não de cobertura vegetal herbácea e sinais claros de erosão laminar
do solo. O processo de desertificação quase sempre se inicia com o desmatamento
e a substituição da vegetação nativa por outra cultivada, de porte e/ou ciclo
de vida diferente. Seguindo esse modelo, a vegetação arbustiva e arbórea da
caatinga é substituída por pastos herbáceos ou culturas de ciclo curto. O
cultivo continuado, com a retirada dos produtos agrícolas e sem a reposição de
nutrientes retirados, leva a perda da fertilidade e a processos erosivos
(SAMPAIO et al., 2003; DUBEUX JR et al., 2005; PEREZ-MARIN et al., 2006). Souto
et al. (2005) argumentam que a remoção da vegetação da caatinga, deixando os
solos expostos, associada a períodos extensos de seca, `as elevadas amplitudes
térmicas e aos ventos, possibilita uma acentuada degradação física, química e
biológica dos solos. Estes se tornam limitados em seu potencial produtivo,
causando danos, muitas vezes, irreversíveis ao meio. Historicamente, a região
deste estudo teve a pecuária extensiva como base de atividade econômica, ligada
à agricultura de subsistência. Posteriormente a cultura do algodão foi
importante para a economia. Entre as décadas de 1930 e 1940, a mineração,
pontualmente, tornou-se também uma atividade econômica, mas com forte impacto
ambiental (SALES, 2006) e que perdura até os dias atuais. Esta atividade
prejudica as atividades agrícolas, sem objetivos de sustentabilidade a longo
prazo na região (SAMPAIO et al., 2003). No estado da Paraíba, devido ao clima
predominantemente seco (semiárido e subúmido seco), mais de 90% do seu
território apresenta áreas susceptíveis à desertificação (Sertão, Borborema e
Agreste). O estado possui o maior percentual de áreas com nível de degradação
da terra muito grave (29%), segundo o Programa de Ação Nacional de Combate a
Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca – PAN-Brasil (BRASIL, 2004). O
grau de conhecimento dos processos de degradação e sua extensão ainda são
deficitários e necessitam de constantes atualizações. Segundo Perez-Marin et
al. (2012) a relação entre as áreas afetadas por processos de desertificação e
a nova delimitação é de aproximadamente 58% no estado. Uma vez que seca e
desertificação caracterizam-se por fenômenos distintos, mas estreitamente
relacionados, em áreas marcadas pela semiaridez registra-se um desequilíbrio
entre oferta e demanda de recursos naturais, levando-se em conta o atendimento
às necessidades básicas de seus habitantes. Nos períodos de seca este
descompasso aumenta, visto que a pressão sobre os recursos naturais se amplia e
a intervenção do homem, em geral, se faz por meio do uso inadequado do solo, da
água e da vegetação. A necessidade de iniciativas para restaurar as áreas
degradadas surge como algo necessário para o estado da Paraíba. A retirada da
cobertura vegetal de áreas degradadas provoca danos a biodiversidade, uma vez
que de interfere nas condições físicas e afetam o desenvolvimento e a
manutenção de atividades ligadas ao social, econômico e ambiental. Enfim,
ocasiona impactos em áreas que estão direta ou indiretamente relacionadas `a manutenção
do bioma Caatinga. A aplicabilidade do uso de técnicas nucleadoras na
restauração de áreas degradadas tem sua importância na dinâmica do uso da terra
no bioma Caatinga, principalmente com relação ao processo de desertificação e a
utilização não sustentável do recurso madeireiro, que vêm provocando perda da
diversidade florística e degradação do solo (KAGEYAMA et al. 2008; BECHARA
2006). Como técnicas nucleadoras para restauração mencionamos a transposição de
solo, a semeadura direta e hidrossemeadura, os poleiros artificiais, a
transposição de “galharia”, o plantio de mudas em ilhas de alta diversidade e a
coleta de sementes com manutenção da variabilidade genética (REIS et al.,
2003). Diante do exposto, o presente estudo objetiva verificar o potencial de
uso de técnicas nucleadoras em áreas degradadas no semiárido do Estado da
Paraíba, viabilizando a diminuição dos custos de implantação, além de propiciar
uma significativa melhoria nas qualidades ambientais e assegurar um aumento na
probabilidade de ocupação deste ambiente por outras espécies.
2.
MATERIAL E MÉTODOS
A
pesquisa foi desenvolvida no período de outubro de 2011 a setembro de 2012, em
uma área experimental com cerca de 1,0 ha. A área localiza-se na Fazenda
Cachoeira de São Porfírio, município de Várzea, sertão do estado da Paraíba,
entre as coordenadas 06º 48’ 35” S e 36º 57’ 15” W. O local possui altitude
média de 271 metros e o clima, de acordo com a classificação de Koppen, é
caracterizado como semiárido do tipo BSh (quente e seco), com médias
pluviométricas anuais entre 400 a 600 mm (SOUTO, 2006). Na área de estudo
prevalece uma associação de Neossolos litólicos, Luvissolos e afloramentos
rochosos. O solo se encontra parcialmente exposto e com feições erosivas
localizadas, caracterizada por um elevado estágio de degradação apresentando
sinais intensos da intervenção antrópica, como a retirada total da vegetação
(Figura 1). A presença de espécies vegetais é rara, com exceção do Pilosocereus
gounellei A. Weber ex K. Schum. Bly. ex Rowl (xique-xique), Aristida setifolia
Kunth (capim panasco), Cnidoscolus quercifolius Pohl (favela) , Sida cordifolia
L. (malva branca) e Jatropha curcas L. (pinhão manso). A área caracteriza-se
por caatinga hiperxerófila com diferentes graus de antropismo, com árvores de
porte médio a baixo, não ultrapassando 7,0 metros de altura. A vegetação
natural foi retirada para a utilização agrícola,
principalmente com a cultura
algodoeira. Após o abandono, o uso do terreno destinou-se ao pastejo de
caprinos e bovinos, regenerando parte da vegetação. Fragmento da vegetação
representativa da caatinga encontra-se adjacente a um dos lados da instalação
do experimento. Foi confeccionado um pluviômetro artesanal para obtenção da
precipitação pluvial ao longo dos meses do experimento na área de estudo. Dados
foram obtidos mensalmente, entre Outubro de 2011 a Setembro de 2012. Duas
técnicas de restauração nucleadora foram utilizadas nesta área experimental:
poleiros e enleiramento de galhadas. Os poleiros foram confeccionados com varas
extraídas de Croton sonderianus L. (marmeleiro) com aproximadamente 2,0 m de
altura, de maneira a formar uma estrutura de pouso em galhada imitando uma copa
de árvore sem folhas, conforme Figura 2. Foram instalados 12 poleiros,
dispostos em quatro transectos, com espaçamento de cerca de 3,5 metros. Sob
cada poleiro foi colocado um coletor de 1,0m x 1,0m para a coleta de sementes,
confeccionados com tela de náilon de
1,0 mm² de malha. Foram instalados a uma
altura de 0,50 m do solo e fixados com vergalhão de ferro. A manta de náilon
foi presa em cada vergalhão por arame liso, tomando-se o cuidado de formar uma
estrutura com a forma côncava, com cerca de 0,20 m de profundidade, a partir do
centro. A
miscelânea e sementes depositadas nos coletores foram recolhidas
quinzenalmente, acondicionadas em sacos plásticos, e levadas para posterior
identificação em laboratório. As sementes foram separadas e semeadas em
bandejas de alumínio, irrigadas diariamente, com acompanhamento do processo de
germinação até que fosse suficiente para identificação das plântulas. A técnica
de enleiramento de galhadas consistiu em 20 “leiras” com cerca de 1,0 m3 ,
dispostos em quatro transectos na área experimental. Quinzenalmente foram
feitas observações e registros fotográficos sobre o uso das leiras por animais
(Figura 3), sendo observado agregado de propágulos pelos animais que visitava
as leiras.
3.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os materiais coletado são longo do experimento
trazidos tanto pelas aves como pelo vento, foram sementes da espécie Jatropha
curcas (pinhão manso) e Cnidosculus quercifolius (faveleira) penas, cascas de
sementes além de uma miscelânea caracterizada por fezes de aves e fragmentos de
insetos (Figura 4). Os resultados da coleta foram compilados na Tabela 1. A
partir dos dados da Tabela 1, pode-se afirmar que a massa de miscelânea, obtida
a partir dos coletores instalados nos poleiros, foi sempre superior à de
sementes, em todos os meses avaliados. Segundo informações coletadas pelo
pluviômetro construído para este fim, a precipitação pluvial no período
experimental foi de 172,7 mm, sendo que, 76,14% do total precipitado aconteceu
no ano de 2012 e com maior ocorrência nos meses de Janeiro e Fevereiro como
representado na Figura 5. As maiores densidades de miscelânea estão
relacionadas a uma maior quantidade de sementes encontradas. Em Abril de 2012,
dados coletados da miscelânea apresentaram densidade de 1,7 g/m2 e 20 sementes,
seguida
pelo mês de janeiro de 2012, com densidade de 0,8 g/m2 de miscelânea e
24 sementes. Por outro lado, Maio de 2012 foi o mês de maior número de sementes
(27) coletadas. Quanto
ao número de sementes encontradas nos coletores (Tabela 1) pode-se observar uma
sazonalidade diretamente relacionada ao período de precipitação e ao padrão de
frutificação das espécies ocorrente nas áreas de caatinga próximas. A
Cnidosculus quercifolius (faveleira), por exemplo, é dotada de grande
resistência à seca e de dispersão irregular (LORENZI, 1998) sendo considerada
uma planta rústica e de rápido crescimento, ocorrendo na caatinga com elevada
frequência. Constatações similares foram verificadas por Zucca; Castro (2006)
em Naviraí, no Mato Grosso do Sul. Uma outra possiblidade do aumento de
sementes durante estações chuvosas é por dispersão por animais (HOWE;
SMALLWOOD, 1982) assertiva que também corrobora com parte dos dados observados
no presente estudo. Pode-se inferir, portanto, que os poleiros artificiais têm
uma função importante como técnica nucleadora servindo de suporte para o
descanso das aves em áreas degradadas como neste estudo ocasionando maior
frequência de dispersores de sementes. A utilização dos poleiros por aves foi
visível durante o período experimental (Figura 6 ). O uso dos poleiros pelas
aves é um indicativo de que as espécies visitantes adquiriram o hábito de
utilizar as estruturas (poleiros) distribuídas na área. As aves que
frequentaram os poleiros foram, predominantemente, Columbina squammata (rolinha
cascavel) e Columbina picui (rolinha branca), ambas da família Columbidae. Aves
deste gênero tem preferência por locais abertos, são consideradas granívoras,
pois se alimentam de sementes e migram para outras localidades em busca de
alimento. Os
poleiros artificiais exercem a função nucleadora ao incrementarem a chuva de
sementes zoocóricas na área em restauração (TOMAZI et al., 2010). No entanto,
conforme relato destes autores, a presença de barreiras não foram avaliadas em
seu estudo o que pode ter impedido que sementes de outras espécies não fossem
recrutadas. O
enleiramento de galharia é uma técnica importante no que diz
respeito ao fornecimento de abrigo e alimentação para uma série de animais,
desencadeando cadeias tróficas e contribuindo para a restauração de áreas
(BECHARA, 2006). Neste estudo ocorreu decomposição do material formador das
“leiras” que possuíam, inicialmente, altura de 1,0 m e que ao final do
experimento foram reduzidas para alturas em torno de ± 0,40 m (Figura 7). Tal
fato aumentou o conteúdo de matéria orgânica no solo, sendo fonte de nutrientes
para plantas e para a biota do solo. Durante
todo o período experimental foi observada a presença de vários animais
frequentando as galhadas, a exemplo de lagartixas e pássaros de diversas
famílias, como, por exemplo, aves da família Columbidae (Figura 8). Lagartixas
e outros répteis observados nas leiras montadas são um indicativo da presença
de
insetos no local, que passam a ser alimento, demonstrando mais uma vez a
funcionalidade desta técnica na restauração de áreas degradadas. Constatou-se
que o enleiramento das galhadas, material facilmente encontrado nas áreas florestais,
proporciona a formação de “abrigos artificiais”. No
caso deste estudo, assim como no trabalho de Bechara (2006) mesmo em áreas nas
quais não há material para formação das galharias é compensatória a formação de
pequenos abrigos artificiais, trazendo material para a área onde se pretende
restaurar. A utilização de galharia serviu também de proteção ao solo,
proporcionando condições favoráveis à germinação de sementes trazidas por
alguma espécie avifauna que frequentou o local. É possível observar na Figura 9
o desenvolvimento de Cnidosculus quercifolius (faveleira), endêmica da caatinga.
Face as temperaturas elevadas ocorrentes no semiárido brasileiro, a presença de
leiras formadas com galharias favorece a germinação das sementes, tendo em
vista que o conteúdo de água
no solo é maior, tendo em vista que os raios
solares não atingem diretamente a superfície do solo.
4.
CONCLUSÕES
Os
dados coletados e as observações em campo permitem concluir que a construção de
poleiros artificiais e o enleiramento de galhadas em área degradada no
semiárido da Paraíba proporcionou chegada da avifauna e a germinação de
espécies, inclusive nativas, como o caso da Cnidosculus quercifolius
(faveleira). Tal fato indica uma melhoria da qualidade ambiental da área deste
estudo favorecendo a sucessão natural e a reintrodução de plantas e animais na
área.As técnicas nucleadoras utilizadas neste trabalho merecem estudos mais
detalhados, pois são economicamente viáveis, de fácil confecção e manutenção,
visto que formas mais convencionais de recuperação de áreas degradadas possuem,
normalmente, custo mais elevado.
5.
REFERÊNCIAS
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