Médico Veterinário pela Universidade Federal de Goiás,
especialista em Pecuária de Corte pelo Rehagro, sócio-diretor da Qualitas
Melhoramento Genético, com 21 anos de atuação nas áreas de gestão, produção e
melhoramento genético. O Programa Qualitas de Melhoramento Genético conta com
mais de 40 fazendas, nos estados de GO, TO, RO, SP, PR, MG e MT e também na
Bolívia, totalizando um rebanho de mais de 250.000 cabeças.
Foto: Touros Nelore Qualitas em avaliação de eficiência alimentar no CIGNA – UNESP – Botucatu-SP |
Esta história começa em 2001, quando estivemos na
África do Sul, sob a tutela do Professor Daniel Bosman, nosso
conselheiro e consultor no Qualitas, em busca de vacas da raça Bonsmara
para coleta de embriões, a pedido da Fazenda Mariópolis de Itapira-SP.
Naquela ocasião, conhecemos o sistema de seleção
que o professor Daniel ajudou a implementar enquanto trabalhou no ARC
(Animal Research Center), centro de pesquisa responsável por implementar
tecnologias para o desenvolvimento da pecuária sul africana. Quando
digo pecuária, me refiro a todas as raças bovinas da África do Sul.
Consideramos este sistema um dos mais bem-sucedidos do mundo e aplicamos
o que aprendemos com o professor Daniel no Qualitas.
Afirmamos isso pois, já em 2001, o rebanho sul
africano, principalmente, da raça Bonsmara, estava avançado em termos de
desempenho e eficiência. Desde o início da década de 1980, além de
selecionar os bovinos para ganho de peso, eles já se preocupavam com a
eficiência alimentar. Como o país não tem uma aptidão agropastoril
favorável por questões climáticas, o custo alimentar dos animais é
elevado, tendo grande impacto na rentabilidade da atividade. Por isso,
naquela época iniciou-se a avaliação de eficiência alimentar,
primeiramente em centros de pesquisa vinculados ao ARC e, em seguida, em
fazendas particulares.
Quando estive na África do Sul, eles já tinham
avaliações genéticas para lucro no confinamento, principal sistema de
terminação dos bovinos, onde os bezerros são desmamados e vão
diretamente para cocho.
Apesar de ficar deslumbrado ao conhecer um desses
centros de avaliação, já totalmente automatizado, incluindo o
fornecimento de ração para os animais, aquilo me pareceu distante para a
realidade brasileira por dois fatores: o primeiro, por achar inviável
economicamente montar a estrutura necessária para a avaliação no Brasil e
segundo, por achar que não seria tão importante para o Brasil, com um
sistema de terminação majoritariamente a pasto.
Bom, este assunto ficou incubado em nossa cabeça
até 2007, quando trabalhamos em um projeto de engorda em confinamento de
mais de 30 mil cabeças. A enorme variação em eficiência alimentar dos
lotes engordados acendeu um alerta para o impacto sobre a lucratividade
da atividade.
Além isso, pesquisando sobre o assunto, estudos
realizados pelo Prof. Dr. Robert Herd, da Austrália, afirmavam que
animais que apresentavam melhor eficiência alimentar no confinamento
também eram mais eficientes no pasto.
Então, a partir de 2010 iniciamos a mensuração do
consumo individual de alimentos dos 120 melhores touros identificados no
Qualitas de cada safra de nascimento. Após 8 anos, 960 touros foram
avaliados, inicialmente no Confinamento Experimental da Escola de
Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás, sob a
coordenação do Prof. Dr. Juliano José de Resende Fernandes e, a partir
de 2016 o sistema de medição de consumo e pesagens dos animais foi
automatizado, com a utilização dos equipamentos desenvolvidos pela
Intergado, quando fizemos uma nova parceria com a UNESP de Botucatu, no
CIGNA (Centro de Inovação em Genética e Nutrição Animal) a cargo do
Prof. Dr. Josineudson Augusto II.
Os dados coletados neste processo servem para
avaliar a eficiência alimentar dos animais para duas características:
conversão alimentar (CA) e consumo alimentar residual (CAR). A CA
significa quantos quilogramas de matéria seca (MS) de alimentos foram
necessários para produzir um quilograma de ganho de peso. Quanto menor o
valor da CA melhor o animal para esta característica. Portanto, quanto
maior o ganho de peso e menor for o consumo de alimentos, melhor a CA.
Exemplo: um animal de CA de 5kg, comeu 5kg de MS para ganhar 1kg de peso
vivo.
Já o CAR significa quanto o animal comeu em relação
ao que estava previsto para ele comer, de acordo com o seu ganho de
peso e o seu peso. Este valor é sempre relativo ao consumo médio diário
de alimentos em MS durante o período de avaliação. Podemos ter animais
negativos ou positivos para CAR. Exemplo: animal A com consumo de 10kg
de MS por dia teve um CAR de -1,5kg. Isso significa que ele foi
eficiente pois comeu 1,5kg a menos do que estava previsto para ele
comer, pois o seu consumo previsto era de 11,5kg de MS, mas ele comeu
10kg de MS por dia. Já um animal ineficiente que comeu 11kg de MS por
dia e que apresentou um CAR positivo, por exemplo de + 1kg, tinha uma
previsão de consumo de 10kg de MS por dia, mas comeu 11kg.
Portanto, quando falamos em eficiência alimentar,
buscamos três características nos animais, alto ganho de peso, baixo
consumo de alimentos e CAR negativo. E ainda precisamos levar em
consideração as correlações destas características com outras de
importância econômica e produtivas.
Geralmente, animais de alto ganho de peso tendem a
apresentar peso ao nascimento elevado e também tamanho adulto elevado,
por isso, devemos nos atentar para a disponibilidade de alimentos onde
estes animais serão criados.
Animais com CAR negativo podem apresentar menor
acúmulo de gordura subcutânea e, também, pior qualidade de sêmen. O que
não invalida a seleção para o CAR, só é necessário avaliar estas duas
características também para selecionar os animais, pois existem exceções
às regras e são estes os animais que devemos multiplicar.
Na tabela 1, apresentamos dois
animais que nasceram com um dia de diferença e foram produzidos pela
mesma fazenda, nas mesmas condições, desde o nascimento até o sobreano,
quando foram enviados para o teste de eficiência alimentar do Qualitas,
no CIGNA da UNESP de Botucatu. O touro A foi o que apresentou o segundo
maior ganho de peso no confinamento e o touro B foi o que apresentou o
melhor CAR.
Quando olhamos os dados, o touro A, apresentou
maior desempenho desde a desmama até o final do confinamento, portanto,
ganhou mais peso, mas também comeu mais alimentos no confinamento, 26% a
mais em MS que o touro B. Os dois apresentaram CAR negativo, ou seja,
comeram menos do que o previsto. Sendo o touro B mais eficiente que o
touro A em 22%.
Do lado financeiro, isso significou um custo por
arroba produzida no confinamento mais barato para o touro A (15% menor
que o touro B), apesar do desembolso durante o período confinado ter
sido maior. Portanto, quando avaliamos a operação confinamento, o touro A
apresentou uma margem 46% maior que o touro B. Se um confinador tivesse
adquirido os dois animais pelo mesmo valor, digamos R$2 mil, e os dois
tivessem o mesmo peso, o touro A teria deixado R$363,17 de lucro e o
touro B, R$197,41. Portanto, por esta ótica, quem ganhou mais peso foi o
que gerou mais lucro, e não o que comeu menos!
Fonte: elaborada pelo autor |
Mas, e se analisássemos os
dois animais desde o nascimento em uma fazenda que faz ciclo completo e termina os animais em confinamento? Será que o resultado seria diferente?
dois animais desde o nascimento em uma fazenda que faz ciclo completo e termina os animais em confinamento? Será que o resultado seria diferente?
Para fazer esta simulação precisamos fazer a
seguinte correção nos custos de produção, em função da diferença de
consumo que os animais apresentaram no teste de eficiência: 12,73kg de
MS para touro A e 9,40kg de MS para o touro B, ou seja, o 3,33kg de MS
por dia ou 26% de consumo a menos para o touro B. Supondo que isso se
repetiria também desde o nascimento até a entrada no confinamento,
poderíamos dizer que o touro A custaria em relação à alimentação, 26% a
mais que touro B.
Vamos supor que o custo total de produção do
nascimento até a entrada no confinamento do touro B, fosse de R$2 mil e
que 60% deste custo (R$1,2 mil) fosse com alimentação (pasto +
suplementações), como o touro A comeria 26% mais alimento que o touro B,
ele apresentaria um custo total de R$2.704,08, contra R$2.289,50 do
touro B.
Na tabela 2 apresentamos esta
simulação, pois não temos certeza que isso realmente ocorreu, uma vez
que não foi medido. Verificamos que, nesta situação, a diferença de
lucro cairia de R$446,14 para R$134,14. A vantagem diminuiria de 31%
para 12%!
Fonte: elaborada pelo autor |
E se fosse incluída mais uma variável: a diferença
da taxa de lotação em função da diferença de consumo de alimentos dos
dois animais, que é de 26%. Teríamos outro resultado, que seria na
verdade o que realmente importa em uma fazenda de ciclo completo, que é o
lucro por unidade de área, ou hectare.
Na tabela 3, se considerarmos que poderíamos ter somente um touro A por hectare e 1,26 touro B na mesma área, o resultado se inverte, seria agora mais vantajoso um animal que ganha menos peso, mas que consome menos alimentos!
Fonte: elaborada pelo autor |
Devemos considerar também as fêmeas que compõem o
rebanho, que seguindo a mesma lógica poderíamos ter mais fêmeas com o
perfil do touro B, no lugar das fêmeas com o perfil do Touro A. Isso
aumentaria a diferença de lucro a favor do touro B, que consumiu menos
alimentos.
É, esse exemplo, apesar de ser uma simulação, nos
faz refletir sobre complexidade da atividade pecuária. O que torna
também extremamente complexo o trabalho do selecionador na definição dos
objetivos de seleção para o seu rebanho. É um dever estudar
minuciosamente as características de impacto econômico considerando
todas as suas interações, correlações e, principalmente, as suas
influências sobre o lucro de todo o processo e não somente de partes
dele.
Garantir a sustentabilidade da atividade no longo
prazo está diretamente ligado com qual melhoramento genético definimos
para os animais. E fica evidente que nenhuma característica deve ser
selecionada isoladamente, uma vez que suas correlações com outras
características e, principalmente, com o lucro, podem não ser diretas e
positivas.
Origem do artigo: https://www.scotconsultoria.com.br/
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