1 de jan. de 2017

RETROSPECTIVA E PERSPECTIVAS DE CRUZAMENTOS NO BRASIL



Kepler Euclides Filho - Embrapa Gado de Corte

Geraldo Ramos de Figueiredo - Embrapa Gado de Corte 
1. Introdução

Analisando-se a pecuária de corte de regiões tropicais percebe-se que a produção de bovinos com esse propósito vem sendo baseada, de modo geral, em genótipos de origem zebuína ou com grandes proporções de genes de animais Bos indicus. Além da relação direta com o clima, essa predominância pode ser creditada a várias razões, algumas das quais contaram ou ainda contam com a participação proposital do homem. Dentre elas, válida especialmente para o continente africano e Índia, podemos destacar a que diz respeito à presença de animais dessa espécie, quer sejam nativos por origem, ou mesmo introduzidos há centenas de anos, e portanto, totalmente adaptados; a segunda razão é resultante de introduções de animais dessa espécie seguida de cruzamentos absorventes. Nesse caso, grande parte do sucesso, pelo menos o inicial, fundamentou-se, muito
possivelmente, nos benefícios da heterose obtida com os primeiros cruzamentos e provavelmente, na combinação fortuita de efeitos genéticos aditivos importantes. Um dos maiores exemplos dessa situação pode, de modo geral, ser observado na América Latina Tropical e, particularmente, no Brasil onde a presença de bovinos de origem européia já era constatada nas primeiras décadas após seu descobrimento. Esses animais e seus descendentes, oriundos de cruzamentos ou não, tiveram e têm importância fundamental na ocupação, no desbravamento, na colonização, na alimentação, no trabalho, no transporte, enfim, no desenvolvimento do país. Mais recentemente, além de continuarem marcando presença, passaram a se constituir em importantes componentes de uma cadeia produtiva de fundamental importância social e econômica para diversos países localizados em regiões tropicais e subtropicais. Provavelmente, a definitiva introdução do Zebu indiano no Brasil tenha ocorrido por volta de 1903, a partir de observações e estudos realizados pelo


Zootecnista Joaquim Carlos Travassos, citado por Santhiago, A.A (1986). Utilizando-se, principalmente, do periódico Tropical Agriculturist surpreendeu-se com o fato de os ingleses, colonizadores do Ceilão, não tivessem introduzido ali um só exemplar das raças inglesas, povoando o país apenas com gado indiano. Posteriormente, concluiu que na Índia existia inúmeras raças de gado com boa conformação para peso e produção de leite, que, embora não pudessem rivalizar com as raças européias, melhoradas ha mais de séculos, tinha a vantagem incontestável da grande rusticidade e a resistência aos principais parasitos presentes em nossas condições de clima mais ou menos semelhantes às das regiões de origem. Pode-se concluir, a partir das observações dos estudiosos da época, que as raças zebuínas deixavam a desejar nos aspectos produtivos quando comparadas às européias que, entretanto, não se adaptavam às condições médias do clima tropical. Um século depois, e principalmente nas duas últimas décadas, as diferenças de desempenho
produtivo entre as raças continuam existindo, mas se estreitaram de forma significativa, como resultado dos trabalhos de criadores isolados, associações, instituições de ensino e pesquisa, de técnicos em geral e a mudança de filosofia em julgamento de animais que, além das características raciais, passaram a dar importância aos aspectos relacionados à produtividade. Estas ações têm contribuído efetivamente para a melhoria genética dessa espécie resultando em aumento da produtividade final do setor. A busca por genótipos adaptados às nossas condições médias de clima e com características produtivas semelhantes aos dos animais europeus, provenientes de processos de seleção seculares, é um anseio antigo e exacerbado nos dias de hoje em função das mudanças que vêm ocorrendo na economia mundial com reflexos em todos os setores da economia, particularmente no da pecuária de corte. Segundo Euclides Filho & Cezar (1995), as dificuldades de se incorporarem novas áreas ao processo produtivo; o fortalecimento do Mercosul a competitividade de outras carnes e a necessidade de estruturar sistemas de produção que sejam produtivos e sustentáveis, induziram profundas mudanças no perfil tecnológico da pecuária de corte. Neste novo cenário, todo e qualquer empresário da pecuária de corte, para se manter no negócio, deve tornar a atividade competitiva, eficiente e eficaz. Dentro desta nova perspectiva, o uso de cruzamentos entre Bos taurus e Bos
indicus deve ser analisado como forma de se aumentar a produção e a produtividade de carne de qualidade em nossas condições. Diversos trabalhos, dentre eles, os de Euclides Filho et al. (1994); Rosado et al. (1991a); Norte et al. (1993); Silva & Pereira (1986); Filten et al. (1988); Manzano et al. (1986); Ribeiro & Lobato (1988); Alencar et al. (1994); Barcellos & Lobato (1992), indicam melhores desempenhos de animais mestiços em relação aos puros. Apesar disto, o uso desta ferramenta como forma de se obter melhorias no segmento da pecuária de corte, tem sido motivo de controvérsias: no passado, provavelmente devido à não observância do adequado ajuste do binômio genótipo ambiente, uso de programas sem objetivos definidos, mão-de-obra e infra-estrutura inadequadas, o não atendimento das maiores exigências nutricionais de animais com maiores potenciais de desempenho, etc. fizeram que muitos produtos mestiços fossem, pejorativamente, denominados “tucuras”. Atualmente, ao lado destes entraves que, ainda não foram totalmente resolvidos pelos diversos segmentos da cadeia produtiva, surgiram outras ameaças aos mestiços; os criadores de animais puros zebuínos modernizaram seus critérios de seleção priorizando características de importância econômica, como fertilidade, qualidade de carne, ganho de peso, rendimento etc. e passaram a utilizar de programas de seleção modernos e eficientes. Como resultado, observamos o grande incremento em produtividade obtido pelos Zebu, constituindo, também, em alternativa segura para os produtores comerciais. Além disto, a colocação na indústria frigorífica de uma grande quantidade de animais mestiços provenientes de outra atividade, animais estes, sem as características desejáveis para corte, causaram certa retração no mercado de mestiços, desestimulando os criadores que utilizam de cruzamento industrial para produzir carne de qualidade de forma eficiente. Dentro deste cenário, a decisão de adoção desta ferramenta , mais do que nunca, deve ser
precedida de criteriosa análise do sistema de produção e dos diversos segmentos componentes da cadeia produtiva. A heterose é, e continuará sendo, uma importe forma de melhoria dos índices produtivos, porém, não pode ser indicada com solução eficiente para todos os sistemas de produção, principalmente para o Brasil, país de dimensões continentais e, consequentemente com grandes diferenças climáticas. As indicações do uso de cruzamentos devem ser reorientadas no sentido de demonstrar suas vantagens em ambientes propícios com o foco principal na produção de carne de qualidade, sem contudo, desmerecer as demais vantagens que esta ferramenta pode oferecer quando centrada em projetos bem elaborados.

2. Principais trabalhos de cruzamentos realizados no Brasil.

2.1. Cruzamento Absorvente

PRODUTOS BRS

Provavelmente, tenha sido a primeira experiência de aplicação desta tecnologia no Brasil. Os pecuaristas e os estudiosos de zootecnia, logo após as primeiras importações, se aperceberam do melhor desempenho dos animais provenientes da Índia e optaram pela substituição da genética predominante no país, por outra que proporcionasse melhores ganhos. Este tipo de cruzamento, também chamado de contínuo, consiste na utilização sistemática de touros da nova raça que se deseja estabelecer sobre fêmeas da raça que se deseja substituir, onde, os machos das gerações subsequentes são, sistematicamente encaminhados ao abate e as fêmeas são utilizadas na reprodução, aumentando progressivamente a percentagem de sangue melhorador. Segundo Santiago, A.A. (1975), este é o recurso mais simples e menos dispendioso para a gradual substituição de populações, evitando despesas de importações maciças de reprodutores e problemas de adaptação ao novo meio ambiente. De modo geral, os produtos da quinta geração são considerados puros por cruza(PC), ou seja, a raça que serviu de base ao cruzamento foi completamente absorvida pela raça melhoradora.

3. Cruzamentos visando formação de novas raças.

3.1. O Indubrasil 
Com o aumento do efetivo zebuíno, obtido por importações ou através de cruzamentos absorventes e as dificuldades de novas importações de gado da índia impostas pela Peste bovina, os criadores da época, principalmente os do Triângulo Mineiro, passaram a buscar novas alternativas de melhoria dos planteis existentes. Observaram, então, que os produtos oriundos de acasalamentos entre raças, apresentavam melhores desempenhos de pesos, ganhos de peso e precocidade, uma conseqüência benéfica dos efeitos da heterose. Segundo Santiago, A.A.(1975), desses acasalamentos, a princípio desordenados, surgiu um novo tipo, de pelagem geralmente branca ou cinza, orelhas muito grandes, cupim e
barbela bem desenvolvidos. O desconhecimento dos padrões das raças zebuínas e as dificuldades de distinguir os Zebus puros de mestiços de alta cruza com gado europeu levaram a maioria dos criadores a darem maior importância a animais com as características deste novo grupamento, ou seja, com barbela e umbigos avantajados, cupim volumoso e orelhas grandes e pendulosas. Esta era a forma de se diferenciar Zebu de europeu. Os trabalhos de formação e seleção da nova raça ocorreram com mais intensidade na região de
Uberaba daí, a primeira denominação: Induberaba. As principais raças utilizadas foram a Gir, Guzerá e Nelore, porém, sabe-se que outras como: Sindi, Misore e Hissar também tiveram participação. As duas ultimas desapareceram do Brasil, provavelmente, em função desta mestiçagem. Conforme Santiago, A.A. (1984), a corrida pelo Induberaba, o primeiro modismo brasileiro, foi o responsável pela pequena expansão do Guzerá, uma vez que as fêmeas desta raça eram as mais adequadas para este tipo de cruzamento e, não fosse o denodo e a perseverança de poucos criadores, ela teria desaparecido. Com a expansão da nova raça para outras regiões do Brasil, sua denominação passou a Indubrasil, denominação esta que veio a ser oficializada pelo Ministério da Agricultura. A partir de 1925, o seu crescimento foi enorme, em 1930 constituía-se em 15% do rebanho nacional, chegando a, praticamente 80% em 1940; em 1946 ocorreu a primeira exportação para os Estados Unidos objetivando melhorar o gado Brahman (Santos, R. dos:1999). Segundo este autor, a drástica redução do efetivo desta raça ocorreu devido ao surgimento de novas alternativas a partir da segunda guerra e à grande depressão de 1945 ("lei pecuária"). Hoje, responde por 4 a 5% do rebanho total brasileiro, sendo mais comumente encontrada no nordeste brasileiro e em Minas Gerais, onde é explorada como raça produtora de carne e/ou leite. A raça Indubrasil é um patrimônio genético genuinamente brasileiro, perfeitamente adaptado às mais diversas ecorregiões e merece, por parte dos pesquisadores, uma maior atenção no sentido de eliminar ou sanar alguns problemas característicos da raça tais como: tamanho de umbigo e das tetas, agilidade do recém nascido para as primeiras mamadas, aspectos de fertilidade, tamanho adulto, etc. Além disto o direcionamento dos trabalhos de seleção objetivando definir sua real função: raça de corte ou raça leiteira, permitirão que esta ela possa ser inserida de forma eficiente e eficaz dentro da atual e moderna pecuária nacional.

3.2. O Tabapuã.

Segundo estudiosos em zootecnia, não se observa na região de origem dos Bos indicus evidências de animais sem chifres. Nos rebanhos brasileiros de todas as raças originárias da Índia são conhecidos núcleos de animais naturalmente mochos. Santiago, A.A. (1975) aceita o fato de que a grande maioria do nosso rebanho é proveniente de cruzamento absorvente de touros indianos sobre vacas crioulas ou nacional, sendo poucos, muito poucos, os rebanhos geneticamente puros descendentes diretos de animais importados, imunes a qualquer infusão de sangue europeu. Este fato, explica o aparecimento de indivíduos mochos, uma vez que no rebanho nacional havia gado de origem européia com esta característica. Esses animais transmitiram o caráter ausência de chifres que, como fator dominante na espécie bovina tende a se generalizar. Vários criadores passaram a selecionar e dirigir cruzamentos no sentido de obterem animais desprovidos de chifres, originando, desta forma, vários grupos de animais com características semelhantes; a
grande maioria destes grupos de animais foram efêmeros restando, nos dias de hoje, muito poucos exemplares. O Curraleiro ou "Pé Duro", é um exemplo, são animais de porte pequeno, de pouca produção de leite , provavelmente, advindos de acasalamentos de Gir x Guzerá e ainda são encontrados em algumas regiões do nordeste do Brasil onde são utilizados, principalmente, como animais de trabalho.
A raça Tabapuã pode ser citada como exemplo de sucesso dos trabalhos de acasalamentos e seleção visando o caráter mocho. O nome se deve à cidade natal do criador Alberto Ortenblad, o principal entusiasta e selecionador da raça. No início da formação foram utilizadas vacas guzerá e posteriormente vacas Nelore que lhe conferiu a atual pelagem, o registro como raça foi autorizado em 1969 e hoje contamos com um rebanho expressivo utilizado principalmente para produção de carne. Por ser uma raça com bons desempenhos para peso e ganhos de peso, tem sido recomendada, com sucesso, como raça paterna, em sistemas de cruzamento terminal clássico, em ambientes onde o manejo de gado com de mais de 50% de sangue europeu não é recomendado.
3.3. O Mocho Nacional.
Esta é uma raça que se encontra em nosso país há mais de um século, sua origem não é bem definida; o mais aceito é que tenha sido obtida pelo cruzamento do Caracu com gado mocho predominante no estado de Goiás. Em 1911 esta raça foi introduzida na Estação Experimental de Nova Odessa objetivando o seu melhoramento genético. Em 1939 foi criado a Associação Brasileira dos criadores de Mocho Nacional. Sua expansão foi grande até a década de 1950 quando, então, entrou em declínio severo devido à grande expansão
das raças zebuínas, principalmente o Nelore (Santos, R. dos, 1999). Temendo pelo seu completo desaparecimento, em 1983 a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia incluiu exemplares desta raça em seu Banco Brasileiro de Germoplasma Animal, tendo armazenado sêmen e amostras sangüíneas reduzindo os riscos de extinção. Dentro do novo contexto da pecuária de corte no Brasil, onde a qualidade de Carne passa a ser uma exigência não só de consumidores internos com do mercado externo, esta raça, pela sua constituição genética e adaptação ao clima tropical pode se constituir em ferramenta eficiente em sistemas de cruzamentos onde se deseja maiores incrementos de sangue europeu sem, contudo, reduzir os aspectos de aclimatação ao meio ambiente.

4. Raças Compostas

Em ambientes tropicais, onde animais de maior eficiência produtiva não podem ser explorados por problemas de adaptação, uma alternativa que possibilita a combinação das características desejáveis dos animais europeus e zebuínos e que resulta na manutenção em parte do vigor híbrido sem, contudo, criar maiores dificuldades no sistema de produção e que pode ser utilizada por pequenos e médios produtores, consiste na alternativa de formação de raças compostas, ou seja, um novo grupo racial obtido a partir do cruzamento entre duas ou mais raças, que é acasalado entre si e manejado como raça pura (Torres, R. A. de A.). Segundo Bourdon (1999), as boas práticas na formação de um composto envolvem: 1) o estabelecimento da composição genética em função das características desejáveis da raças envolvidas, 2) a simplicidade e rapidez no sistema de formação (cruzamentos), 3) utilização de uma base ampla de touros e matrizes de alta qualidade das raças envolvidas, 4) o controle da consangüinidade nos acasalamentos e a reconstituição do composto evitando o estreitamento da base genética e 5) avaliação e seleção criteriosa dos animais utilizados na reprodução.

4.1. O Canchim

A Santa Gertrudes é, segundo Santiago (1975), a primeira raça bovina formada no hemisfério ocidental, com base no cruzamento Zebu x europeu, visando à produção econômica de carne em ambiente semelhante às condições médias do Brasil. Provavelmente, criadores e instituições de pesquisa, animados com os excelentes resultados destas experiências no exterior, passaram, a partir da década de 1940, a tentar o estabelecimento de novos tipos bovinos mais adequados às condições climáticas médias do Brasil. Trabalhos planejados neste sentido foram iniciados na antiga fazenda Canchim, município de São Carlos, SP e conduzidos pelo Zootecnista Antonio Teixeira Vianna utilizando de touros da raça Charolesa, escolhidos pela grande capacidade de produção de
carne. A vacada envolvida nos trabalhos era "azebuada" com predominância da Indubrasil, mantidas exclusivamente em campo enquanto os touros recebiam suplementação alimentar, principalmente no período seco. O Canchim é um bi-mestiço 5/8 Charolês - 3/8 Zebu. A Associação dos Criadores de Canchim foi fundada em 1971 e o primeiro registro de animal correu no ano seguinte. O reconhecimento como nova raça ocorreu em 1983, inaugurando o Herd-Book próprio. A raça, apresenta grande número de trabalhos de pesquisa, realizados, principalmente pela Embrapa Pecuária Sudeste e dispõe de farta literatura. Estes trabalhos são responsáveis não só para divulgação como também para correção de problemas neste novo grupamento. Por isto mesmo, aspectos como aqueles ligados à reprodução que, até muito pouco tempo, não eram considerados satisfatórios, foram rapidamente sanados e hoje a raça é grande sucesso entre muitos criadores. Os animais são considerados rústicos, apresentam bom ganho de peso, bons rendimentos de carcaça e carne de boa qualidade. É considerada de grande porte e recomendada como raça paterna. Esta definição, dentro das atuais condições de criação, tem contribuído para o seu grande desenvolvimento. A Embrapa Gado de Corte, em seus trabalhos de cruzamento tem utilizado, desde 1998, touros desta raça em monta natural com vacas meio sangue Simental-Nelore e Aberdeen Angus-Nelore em sistema terminal. Os resultados, tanto de aspectos reprodutivos como de desempenho da progênie são considerados excelentes. Alem disto, o Programa Embrapa de Melhoramento de Gado de Corte, Geneplus, realiza a avaliação genética de toda a raça com cerca de 15.000 matrizes.

4.2. Brangus-Ibagé

A Brangus foi formada nos Estados Unidos da América e consolidada como raça na década de 1940 com 5/8 de sangue Aberdeen Angus e 3/8 Brahman. Com a inexistência da raça Brahman em nosso País e as dificuldades de importações, surgiu a tentativa de se fazer algo similar com as raças disponíveis em nosso território. Os cruzamentos de Angus com Nelore iniciaram-se em 1945, na antiga Estação Experimental de Cinco Cruzes, em Bagé, RS. Os esquemas de cruzamentos adotados e orientados por técnicos do Ministério da Agricultura, foram semelhantes àqueles utilizados na formação do Canchim. Os primeiros exemplares 5/8 Angus-3/8 Nelore nasceram em 1954 dando-se então, início à fixação da nova raça. A Associação Brasileira de Ibagé surgiu em 1979, reconhecida pelo Ministério da Agricultura em 1981. Oito anos após, teve o seu nome alterado para Brangus-Ibagé, o que parece muito mais lógico, infelizmente a difusão da raça tem ocorrido apenas como
Brangus. Independentemente da denominação, é uma raça que tem apresentado, nos últimos anos, um significativo incremento em seu efetivo. Isto é perfeitamente justificável dada as suas excelentes qualidades não só no que diz respeito ao desempenho reprodutivo, como também nos aspectos de eficiência produtiva. Trabalhos conduzidos na Embrapa Gado de Corte, mostraram que fêmeas 1/2 sangue Aberdeen Angus - Nelore, suplementas após a desmama com concentrado na proporção de 0,8 a 1% do peso vivo médio e acasaladas com idade média de 13 meses, apresentaram índice de parição médio de 84% e de 60% de reconcepção. Os machos, do mesmo grupo genético, avaliados em baias individuais, apresentaram excelentes desempenhos em ganho de peso, rendimento de carcaça, conversão alimentar e apresentaram carcaças bem conformadas com adequada cobertura de gordura. A qualidade da carne é um dos itens mais empregados como marketing da raça, sendo utilizada, com grande sucesso, na maioria dos renomados restaurantes, principalmente de São Paulo. Esta grande aceitação foi também comprovada nas diversas atividades de divulgação do Programa Embrapa Carne de Qualidade e através de questionários aplicados junto a consumidores. Atualmente, o melhoramento da raça tem o apoio de diversos programa como a Natura, Herd Book Collares, PROMEBO e o Geneplus, da Embrapa Gado de Corte que realiza a avaliação genética de um grande núcleo composto por cerca de 10.000 matrizes. Dentro destas avaliações, é de suma importância, para o contínuo crescimento da raça, que se determine, à semelhança do Canchim, o objetivo principal da raça, paterna ou materna. A questão do grau de sangue versus ambiente de criação, provavelmente deva ser motivo de análises mais acuradas, procurando avaliar biótipos melhores adaptados mesmo com algum prejuízo do
potencial de desempenho.

4.3. O Lavinia

A formação desta raça constituiu-se na primeira experiência de formação de um novo tipo com duplo propósito: carne e leite. O objetivo era o de resolver o problema de produção de leite em regiões onde o Holandês e seu mestiços não se adaptavam e o Zebu puro não satisfazia as exigências dos criadores. Após uma série de cruzamentos envolvendo o Pardo-suiço com fêmeas Gir, Nelore e Guzerá conduzidos na região oeste de São Paulo, principalmente no município de Lavínia, o criador Rubens Franco de Mello observou grande superioridade de produção de leite das mestiças com Guzerá. Verificou também que todos os mestiços eram perfeitamente adaptados e os machos apresentam bons desempenhos para produção de carne. Com base nestes resultados e espelhando-se na metodologia de formação do Canchim e Brangus-Ibagé deu-se início, a partir da década de 1954 à
formação do bi-mestiço 5/8 Pardo-suiço e 3/8 Guzerá. Conforme, Santos (1999), em 1970 foi fundado o Centro Nacional de Seleção de Bovinos da Raça Lavínia em São Joaquim da Barra, SP, onde, o gado continua em franca evolução. Devido a sua rusticidade e boa capacidade de produção de leite, exemplares desta raça são encontrados na região do Nordeste brasileiro, nos estados de Pernambuco, Ceará, Bahia e Paraíba. Em provas de ganho de peso em pasto e confinamento, conduzidas na estação experimental de Nova Odessa exemplares da raça apresentaram excelentes resultados de ganho em peso e conversão alimentar. A associação de criadores desta raça, existe desde 1975. Atualmente, pode-se dizer que a raça apresenta pouco crescimento, porém, com a necessidade de incrementos da produção de leite, principalmente, nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste e, as evidências de que um sistema de produção com animais de duplo propósito pode ser mais eficiente para os pequenos e médios produtores, podem contribuir para a retomada do seu crescimento.

4.4. O Pitangueiras

As razões e o esquema de formação desta raça são muito semelhantes à da Lavínia e os primeiros cruzamentos ocorreram na mesma década, logo após a segunda guerra mundial. O objetivo era o de formar um novo grupo mais eficiente na produção de leite. Provavelmente, a maior seleção do Guzerá para característica leiteira , refletiu em melhores desempenhos das mestiças desta raça com Red Poll em relação àquelas formadas com o Gir e o Nelore. Com base nestas informações, as atenções foram voltadas no sentido de obter um bi-mestiço 5/8 Red Poll e 3/8 Guzerá. O desenvolvimento da raça deve-se muito às orientações, aos trabalhos conduzidos e divulgação dos resultados
realizados pelo Zootecnista Alberto Alves Santiago. Estas acões muito contribuíram para o crescimento e a difusão da raça. Segundo Santos (1999), em 1990 havia mais de 70.000 animais Pitangueiras registrados. Em provas de ganho de peso, realizadas na Estação Experimental de Sertãozinho, SP, exemplares desta raça exibiram ganhos em peso acima de 1.100 gramas com bom rendimento de carcaça. Na atividade de produção de leite, principalmente nos estados de São Paulo e Paraná, ela tem sido explorada como pura ou em sistemas de cruzamento com mestiças leiteiras e os resultados são considerados muito bons.

4.5. Outras raças sintéticas no Brasil

A partir da década de 1980, houve uma grande corrida para a formação de novas raças, na maioria das vezes, empregando-se os mesmos esquemas adotados na formação do Santa Gertrudes, considerado o precursor de todas estas experiências. Dentre as raças criadas no Brasil, podemos destacar:
Além de todos estes trabalhos, outros continuam sendo conduzidos, buscando atender situações e objetivos específicos. Neste sentido, podemos citar o Montana Tropical e o Purunã, provavelmente, a caçula de todas as raças.

5. Cruzamentos e seus benefícios

Duas são as ferramentas disponíveis para se promover o melhoramento genético de qualquer espécie: seleção e cruzamento. Seleção é o processo decisório que indica quais animais de uma geração tornar-se-ão pais da próxima, e quantos filhos lhes serão permitido deixar. Em outras palavras, pode-se entender seleção como sendo a decisão de permitir que os melhores indivíduos de uma geração sejam pais da geração subseqüente. Isso, além de implicar no acasalamento entre os indivíduos escolhidos, só se constitui em etapa realmente importante, no caso de animais domésticos criados com fins comerciais, quando essa união resulta em concepção, gestação e nascimento de filhos. Outra importante ferramenta disponível ao melhoramento genético é o cruzamento, que nada mais é do que o acasalamento entre indivíduos pertencentes a raças ou espécies diferentes. Essa é uma alternativa genética de extrema importância e deve ser utilizada em combinação com a seleção. Dessa forma, seleção deve ser um componente direta ou indiretamente integrante de qualquer sistema de cruzamento. A participação direta da seleção em um sistema de  produção pode e deve ocorrer quando o sistema envolve a criação e o uso dos animais mestiços nele produzidos. Nesse caso, faz-se necessário que se proceda a avaliação genética dos animais, e que a escolha dos reprodutores e matrizes se faça com base no mérito genético dos indivíduos para o critério de seleção definido, ou seja, na perspectiva de que tal superioridade seja transmitida aos seus descendentes. Modernamente, essa capacidade genética de transmissão dos animais tem sido fornecida pelas chamadas diferenças esperadas na progênie (DEPs). A participação indireta, por outro lado, se aplica a situações onde os reprodutores e/ou matrizes não são produzidos no próprio sistema. Nesse caso, a seleção não se constitui em componente inerente ao processo, mas participa de forma indireta, uma vez que a escolha dos animais para o programa de cruzamento também deverá ser feita pelas DEPs considerando-se a(s) característica(s) importante(s) para cada caso particular. Apesar de a heterose ser o mais propalado benefício dos cruzamentos, os sistemas de produção de bovinos de corte, e por extensão, toda a cadeia produtiva da carne, em regiões tropicais, podem se beneficiar grandemente de outras vantagens do cruzamento. Nesse aspecto, vale ressaltar a importância da combinação aditiva, que pode estar presente tanto para características adaptativas (Bos indicus e Bos taurus adaptado) quanto para algumas produtivas (Bos taurus). A contribuição dos cruzamentos envolvendo animais pertencentes a esses grupos supracitados pode ser verificada pelos vários resultados que evidenciam incrementos de produção importantes em áreas tropicais (Euclides Filho et al., 1995; Frisch & O’neill, 1998a; Plasse et al., 1995a,b). Mesmo não sendo a única vantagem dos cruzamentos, grande parte dessa superioridade observada está relacionada à heterose, que é expressa como sendo a superioridade da progênie em relação à média dos pais. De acordo com Frisch (1987), a heterose observada em cruzamentos entre Bos indicus e Bos taurus tem suas causas fundamentadas nos seguintes fatos: i) metade dos genes na população F1 é proveniente de cada um dos pais; ii) os indivíduos F1s carregam genes tanto para adaptação (oriundos do Bos indicus) quanto para produção (provenientes do Bos taurus); iii) como conseqüência, sob condições tropicais, heterose para características bioeconomicamente importantes é normalmente oriunda de fatores determinantes básicos, quais sejam, potencial de produção com expressão plena sob condições ambientais favoráveis e capacidade de adaptação a condições estressantes representadas, principalmente, por resistência a carrapatos e helmintos e tolerância ao calor. Isso possibilita concluir que a produtividade dos bovinos em condições de estresse ambiental pode ser expressa como uma combinação entre adaptabilidade e potencial produtivo. Uma das principais desvantagens do cruzamento em gado de corte é que, na maioria das condições, a produtividade obtida com os F1s não pode ser mantida, ou seja, quando os F1s, ou mesmo indivíduos de gerações mais avançadas de animais mestiços são cruzados entre si, ou ainda quando os F1s são retrocruzados, há perda de heterose. Espera-se que esse decréscimo em heterose seja ainda maior sob condições tropicais. No caso de cruzamentos entre indivíduos adaptados e indivíduos nãoadaptados, essa perda de heterose origina-se, pelo menos em parte, no fato de alguns genótipos de progênies futuras estarem mais próximos daquele do pai mais resistente (Bos indicus ou mesmo Bos taurus adaptado) e possuírem, portanto, menor potencial produtivo; enquanto outros estão mais próximos aos genótipos de maior potencial de produção (Bos taurus) perdendo, com isso, em resistência. Nos dias de hoje, a demanda por produtos de qualidade, tem modificado muitos conceitos e na pecuária de corte isto não é diferente. Atualmente, Os produtores devem disponibilizar para o mercado um produto que atenda as demandas da indústria e os anseios dos consumidores por alimentos de qualidade. Os cruzamentos envolvendo Bos indicus e Bos taurus não-adaptados com Bos taurus adaptados, as chamadas raças crioulas têm resultado em melhoria da produtividade possibilitando ainda, a produção de carne mais macia quando comparados com animais Bos indicus (Molina et al., 1982; Razook et al., 1986; Nardon et al., 1996; Chase et al., 1998), constituindo-se, desta forma, em ferramenta eficiente para atender essa expectativa.

6. Perspectivas de cruzamentos para o Brasil

Apesar de existirem várias alternativas de se utilizar o cruzamento como ferramenta de melhoramento genético, a opção por qualquer uma delas deve ser fundamentada nos objetivos e metas que se deseja alcançar com o empreendimento levando-se em consideração, além das exigências de mercado, o ambiente geral onde se pretende estabelecer o sistema de produção. Assim, nem todos os sistemas de cruzamentos são capazes de atingir suas expectativas ótimas em qualquer situação. As dificuldades variam desde a complexidade, observada em alguns deles, até a necessidade de grande número de animais apresentada por outros, passando ainda, por demandas organizacional e de controle requeridas, principalmente, para grandes programas ou grandes áreas. No entanto, é possível que para grande parte das condições tropicais, alguns sistemas e tipos de cruzamentos sejam mais adequados, mesmo que teoricamente eles não sejam os mais recomendados. O cruzamento rotacionado, por exemplo, é um sistema de cruzamento que atende a todas as premissas teóricas desejáveis, pois além de permitir a manutenção de níveis médios elevados de heterose, por indivíduo no rebanho, ele possibilita: I) que as fêmeas de reposição sejam produzidas no próprio sistema; II) o uso de fêmeas mestiças; III) que se explore efetivamente a heterose; IV) que não haja interferência com a seleção; e V) que tanto machos quanto fêmeas sejam adaptados ao ambiente onde eles e suas progênies serão criados. Na prática, no entanto, principalmente nas condições de Brasil, tem-se observado evidências do sucesso limitado que este sistema de cruzamentos tem alcançado. Isto se deve, pelo menos em parte, ao fato de ele requerer um manejo mais complexo do rebanho. Outro aspecto que, especialmente na pecuária brasileira, tem contribuído para tais resultados é aquele relacionado ao objetivo principal da atividade que até muito recentemente, era a obtenção de animais com maiores pesos e maiores ganhos de peso. Isso resultou na prática quase que generalizada de envolver, nos programas de cruzamento, uma raça européia de grande porte. Esse procedimento teve e tem como conseqüência, a produção de gerações com diferentes requerimentos nutricionais, com reflexos desastrosos no manejo do rebanho de cria e redução na eficiência dessa fase. Pode-se ainda mencionar que parte da limitação à maior expansão dos cruzamentos em gado de corte tem sido creditada à inseminação artificial. A dificuldade de se estabelecerem programas amplos e eficientes de inseminação, como conseqüência dos baixos níveis cultural e gerencial, da infra-estrutura inadequada e despreparo da mão-de-obra rural, tem sido responsável por alguns fracassos, e imposto restrições a novos adeptos. Essa inadequação da mão-deobra, pela barreira que coloca à incorporação de novos conhecimentos e novas tecnologias, tem se constituído, na verdade, em um dos principais entraves ao avanço da pecuária de corte como um todo, em grande parte das regiões tropicais. Tal constatação permite inferir que programas que minimizem o uso de inseminação artificial e reduzam exigências gerenciais, ao mesmo tempo que sejam capazes de garantir competitividade ao setor têm mais chances de sucesso a curto e médio prazos. Paralelamente, há necessidade de um amplo programa de treinamento e formação de mão-de-obra rural, bem como um programa de incentivos à utilização da inseminação artificial e à incorporação de novas tecnologias. Nesse cenário, reduzem-se as opções de sistemas e tipos de cruzamento com chances de uso em larga escala. Assim, possivelmente, três sejam as formas de se utilizarem, com sucesso, os cruzamento nessas regiões: I) cruzamento terminal simples, II) cruzamento terminal clássico III) uso de raça composta, e IV) uso de machos mestiços, principalmente os F1s, para serem utilizados como reprodutores em monta natural.

6.1. Cruzamento Terminal simples

Este tipo de cruzamento tem como finalidade única a produção de animais F1s que serão todos, machos e fêmeas, destinados ao abate. Nessas condições, pode-se utilizar animais oriundos de raças de grande porte (possuidoras de características desejáveis para linhagens/raças paternas). Nesse sistema, o benefício global em termos de heterose, considerando-a como função direta da heterozigose, seria todo oriundo da heterose direta e igual a 50%, ou seja, o sistema estaria capitalizando em apenas 50% da heterose total máxima. Isso ocorre porque nesse sistema há necessidade de se manter 50% das fêmeas como puras (Figura 1). Tais fêmeas têm a finalidade de produzir matrizes para suas próprias substituições e para a reposição daquelas que compõem o rebanho destinado à produção dos “meio-sangue”. Considerando-se que o cruzamento entre Bos taurus e Bos indicus pode resultar em, aproximadamente, 15% de incremento em pesos e ganhos de peso até o abate, como resultado do efeito da heterose direta, o benefício geral, para o rebanho de cria em uma situação onde a taxa de desmama é igual a 80%, seria de 7,50% de aumento em quilogramas de bezerros desmamados/vaca exposta, ou cerca de 7,50% de incremento em carne produzida quando se consideram as fases de cria, recria e engorda, em um sistema de produção completo (Figura 1). 
6.2. Cruzamento Terminal Clássico

Este tipo de cruzamento consiste em manter as fêmeas “meio-sangue” que substituiriam parte das puras e seriam cruzadas com animais de raças detentoras de características desejáveis para linhas/raças paternas, quais sejam, alta taxa de ganho de peso, peso de abate elevado, boa conversão alimentar e tamanho adulto elevado. Esses animais seriam cruzados entre si, em um sistema terminal, onde toda a progênie seria abatida. Poder-se-ia, alternativamente, nesse caso, conduzir o primeiro cruzamento objetivando a obtenção de fêmeas com boas características para linhagem/raça materna, ou seja, boa fertilidade, boa habilidade materna e tamanho adulto médio. Nesse caso, é importante ressaltar que os produtos machos (F1s) oriundos dessa etapa seriam animais de menor peso ao abate e de menor velocidade de ganho de peso. Nesse caso, a heterose total do sistema seria resultante da combinação das heteroses direta e materna (Figura 2). O resultado da heterose direta seria verificado nas progênies oriundas de, aproximadamente, 25 % do rebanho de fêmeas (parte do rebanho destinada à produção de F1s) e na progênie de 50% das fêmeas F1s acasaladas com touros terminais, enquanto que a materna seria observada em toda progênie oriunda do cruzamento terminal Considerando-se um rebanho de cria com taxa de desmama igual a 80% em que os incrementos oriundos da produção de indivíduos “meio-sangue” seja igual a 15% e ainda, um aumento de, aproximadamente, 20% na produção da fase de cria resultante do uso de fêmeas F1s, ter-se-ia uma melhoria global, em quilogramas de bezerro desmamado/vaca exposta, igual a, aproximadamente, 16,00% (Figura 2). Qualquer dessas situações pode resultar em benefícios superiores aos apresentados, desde que se tenham maior taxa de desmama e/ou menor taxa de reposição de fêmeas. Esse sistema possibilita ainda, um benefício adicional representado pela complementaridade aportada pelo uso de touro de raça terminal com características de raça paterna. Outros aspectos importantes dizem respeito ao incremento de produtividade resultante das reduções das idades de abate, e, principalmente, de primeira cria obtidas pelo uso das fêmeas “meio-sangue” de porte médio, no cruzamento. A combinação dessas diferentes fontes de incrementos adicionais pode resultar em aumentos próximos a 20% na produtividade geral desse sistema de cruzamento terminal quando comparado com um sistema de produção envolvendo somente uma raça zebuína. Os benefícios oriundos destes sistemas de cruzamentos exemplificados em (I e II) podem ser ampliados e expandidos desde que a estrutura dos sistemas de produção de gado de corte evolua segundo previsto por Euclides Filho (1997). Segundo esse autor, as fases da pecuária, ou
seja, cria, recria e engorda, devem, nos sistemas de produção modernos, tornarem-se especializadas. Assim, alguns sistemas serão produtores de bezerros que serão recriados e/ou mesmo engordados por outros sistemas especializados nessas fases. Tal estrutura fundamenta-se na expectativa de que haverá uma forte integração entre os diversos produtores que compõem, como segmento especializado, essas diferentes fases.

Considerando-se tal situação pode-se verificar que deverão existir alguns criadores cuja função será a produção de fêmeas “meio-sangue” que serão utilizadas por outros componentes da cadeia de integração para serem acasaladas com touro terminal. Os produtos dessa fase serão todos (machos e fêmeas) encaminhados para o abate. Os fornecedores de tais fêmeas, por sua vez, fariam a reposição de suas fêmeas zebu adquirindo-as de um terceiro componente do  processo cuja atividade final é a produção de animais zebu puros de alta qualidade para atendimento e viabilização dos demais segmentos. Essa estrutura poderá encontrar respaldo no fato de que todos os integrantes podem compartilhar dos benefícios finais. Aqueles criadores que dentro do processo têm a função de prover fêmeas zebu para dar continuidade às demais fases beneficiar-se-ão pela garantia de mercado para seus produtos e pelo maior preço que poderá ser pago pelos seus animais. Esse maior preço obtido é assegurado pela garantia de qualidade dos animais que ele oferece, e pelo rateio dos benefícios que deve ser objeto de entendimentos entre os diversos componentes do processo. Isso deve ocorrer pelo menos no início quando o estabelecimento e estruturação de tal aliança requer muita negociação e desprendimento de todas as partes envolvidas. Além disso, esses dois elos da cadeia tendem a estabelecer uma relação de complementaridade. O primeiro, pode estabelecer o critério de seleção de seu rebanho zebuíno para atendimento da demanda daquele que é fornecedor de fêmeas “meio-sangue”, enquanto esse, por sua vez, tem a garantia da aquisição de material genético compatível com seu negócio. Os dois últimos integrantes desse sistema segmentado de produção de carne, ou seja, os produtores de fêmeas “meio-sangue” e aqueles responsáveis pelos cruzamentos terminais, têm seus benefícios oriundos diretamente do incremento de eficiência em seus sistemas de produção. Dessa forma, as estruturas apresentadas nas Figuras 1 e 2 serão modificadas conforme Figuras 3 e 4. Essa integração entre os diferentes segmentos pode ainda contribuir para melhoria da eficácia do sistema como um todo, pelo fato de possibilitar melhor definição dos critérios de seleção para todas as etapas do processo. 
6.3. Uso de Raças Compostas

A raça composta per se justifica-se pelo fato de se constituir em uma alternativa que, além de permitir o uso dos benefícios oriundos da heterose e da combinação genética aditiva, viabiliza sua utilização por rebanhos pequenos e médios. Isto é possível porque uma vez formada, ela é manejada como raça pura. Apesar de suas vantagens serem conhecidas desde há muito tempo, só mais recentemente esta alternativa vem sendo retomada sob novo enfoque em função de novos resultados, principalmente, aqueles obtidos pelo Meat Animal Research Center (MARC) de Nebraska, USA. Tais resultados confirmam que, para gado de corte, pelo menos uma importante parcela da retenção de heterose está relacionada diretamente com a retenção de heterozigose, para grande número de características de importância econômica. Outro ponto desse trabalho que merece destaque é a avaliação de maior número de raças participantes da formação de novos grupos genéticos. Nesse contexto, é importante ressaltar a necessidade de que tais populações sejam fundamentadas em bases genéticas bastante amplas, de modo a garantir que a população composta final possa ser submetida a um programa de seleção, por várias gerações, sem que haja perda rápida de heterose como resultado do incremento precoce da taxa de consangüinidade. Isso só será alcançado com um número grande de animais nos cruzamentos iniciais. Quanto maior o número de raças envolvidas maior será o número de animais fundadores necessários para que se consiga, após os descartes e seleção, ou seja, após o estabelecimento da população composta, uma variabilidade genética capaz de comportar várias gerações de seleção. Por outro lado, essa opção de formação de grupo genético composto pode ser enfocada sob a ótica do núcleo aberto. Assim, dadas as dificuldades impostas à formação de uma população composta, esse desafio só deveria ser enfrentado por empresas com grande capacidade gerencial e financeira e com bom acompanhamento técnico. Todavia, uma maneira de contornar esse problema poderia ser o uso de animais F1s em um sistema de núcleo aberto, ou seja, sob contínua formação de indivíduos “meio sangue”. Nesse caso, haveria possibilidade de participação efetiva de rebanhos de médio porte. Vale ressaltar que essa alternativa requer a manutenção de uma proporção considerável de fêmeas puras, o que implica na produção de quantidade equivalente de machos puros que podem ser menos produtivos que os F1s. A introdução de uma terceira e até mesmo de uma quarta raça onde, pelo menos uma fosse de Bos taurus adaptado pode ser uma alternativa interessante. Nesse caso, consegue-se manter maior grau de heterozigose nos produtos mestiços. Dando suporte ao uso de três raças podem ser citados os resultados de vários experimentos conduzidos na Austrália, além das evidências apresentadas por Seebeck (1977), citado por Frisch (1987), sobre o papel da dominância na herança da resistência. Com base nisso, Frisch (1987) sugeriu que o nível de resistência a estresses ambientais em progênies oriundas de cruzamentos de três raças seria determinado pela terceira raça. Dessa forma, cruzando-se indivíduos F1s com uma terceira raça européia adaptada, não relacionada, poderia resultar em progênies de alta produção. Com base no fato de as raças européias possuírem maior potencial produtivo é possível que a inclusão de uma raça mesmo não-adaptada possa contribuir para a formação de um composto de três raças. Independentemente do sistema de cruzamento adotado, o uso de raças de animais Bos taurus adaptadas, desde que apresentem bom potencial de produção, em cruzamentos com raças zebuínas podem também se constituir em formas bioeconomicamente viáveis de produzir carne bovina. Tais alternativas têm se tornado cada dia mais atrativas principalmente, após alguns resultados experimentais (Molina et al., 1982; Razook et al., 1986; Clarke et al., 1993; Nardon et al., 1996; Mujica et al., 1997; Perotto et al., 1998). Outro aspecto importante das raças compostas baseadas em taurinas adaptadas é o fato de ela possibilitar mais uma alternativa para cruzamentos com o zebu, uma vez que viabiliza o uso de touros com sangue europeu, em sistemas de monta natural, em campo. Adicionalmente, pode-se capitalizar em heterose para fertilidade de machos.

6.4. Uso de touros mestiços, principalmente os F1s

Essa última alternativa apesar de trazer pouca contribuição direta no desempenho produtivo geral dos rebanhos pode incorporar benefícios diretos no tocante a heterose para aspectos reprodutivos de machos como, libido e fertilidade geral. Além disso, as progênies fêmeas poderão ser utilizadas em etapas subsequentes do programa com incrementos de produtividade importantes e pode-se constituir em solução viável para locais onde a utilização de técnicas que promovem melhores retornos, não são recomendadas. É um esquema flexível e permite mudar a raça européia, permitido ajustes rápidos de acordo com as demandas.

7. Considerações Finais

A heterose é, e continuará sendo, uma importe forma de melhoria dos índices produtivos, porém, para as condições brasileiras, não pode ser indicada com solução eficiente para todos os sistemas de produção; As indicações do uso de cruzamentos devem ser reorientadas no sentido de demonstrar suas vantagens em ambientes propícios com o foco principal na produção de carne de qualidade, sem contudo, desmerecer as demais vantagens que esta ferramenta pode oferecer quando centrada em projetos bem elaborados; Os cruzamentos podem ser utilizados como forma de atender às mais importantes demandas da cadeia produtiva da carne bovina, quais sejam, boa fertilidade, precocidades reprodutiva e de acabamento e produção de carne macia; Os cruzamentos terminais, por serem mais simples, por possibilitarem mudanças rápidas de orientação ou de objetivo final e por contribuírem com incrementos significativos na produção e na eficiência da cadeia produtiva como um todo, devem, no futuro, representar uma estratégia importante de produzir carne  bovina; O desenvolvimento de um grupo genético composto pela combinação de animais de raças européias não-adaptadas com a participação de alguma raça européia adaptada de boa fertilidade, precoce, de boa conformação e tamanho adulto médio, amplia a possibilidade de uso da heterose estendendo-a aos rebanhos pequenos e médios, ao mesmo tempo que cria novas opções de cruzamentos com a importante participação da monta natural;

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