14 de nov. de 2011

O BOM CALOR TROPICAL

 Por: Manoel Dantas Vilar Filho (Dr Manelito)
Não temos um terço do tempo sob friagens radicais e neves espessas. O zootecnista inglês T. R. Preston (1977) num ensaio designado "Estratégia para produção de bovinos nos Trópicos", garantia que "... os trópicos oferecem possibilidade de rendimento por unidade de área e de viabilidade econômica, que superam em muito as perspectivas atuais e mesmo futuras dos países de clima temperado". Adiante, criticando: ".... as crenças ensinadas nos compêndios de Zootecnia sobre a especialização de bovinos para produzir leite ou carne", propõe que se confie"... sobretudo na função do rúmen" e não se ponham os animais a competir com o Homem pelo consumo de cereais e, por fim, afirma que "... já que necessitamos tanto de carne como de leite, a base de toda a estratégia pecuária racional é considerar as duas produções conjuntamente", fundamentando a genética de dupla aptidão.
A não ser para a pequena parte irrigável artificialmente, onde produzimos qualificadas frutas, existe um triste contraste entre as realidades - boas e más - da zona seca e os mecanismos institucionais de lidar com elas, desde o Ensino/Pesquisa até a política de produção e Assistência.
A chamada Civilização do Couro foi a fase mais próspera da economia nordestina. Técnicos argentinos, falando sobre o Chaco Seco de lá (1980) - que tem a mesma extensão que o nosso Polígono das Secas, afirmam: "... de acordo com nossa experiência, quanto mais seca a região, sempre que se disponha de pasto e água, tanto maior é a produção pecuária. E mais: "... estamos em condições de afirmar que todo plano puramente agrícola nestas regiões está, de antemão, condenado ao fracasso. O risco das colheitas é demasiado grande para ser a base da exploração". 
O Brasil, com o Nordeste seco bem incluído tem a vocação e o destino de ser, também, a grande nação agropecuária, sobretudo pecuária, do mundo. Basta neutralizar mentes coloniais e ter a dignidade de estabelecer uma política decente de financiamentos rurais, calcada em parâmetros tecnicamente corretos e ajustados para cada região fisiográfica. Tomando o Brasil como referência para pensar o Brasil e a peculiar semiaridez do Nordeste para o Nordeste.
O Nordeste é seco. O inverno é um pequeno intervalo de tempo entre dois estios que, às vezes, se emendam. A grande vocação das terras secas é pecuária de ruminantes e isso já começa a ser considerado, graças a Deus. Por mais óbvia que seja, quase sempre é preciso repetir uma mesma idéia até cansar! Há uma dramática não-decisão em relação à semi-aridez do Nordeste. Os moradores do semi-árido são credores do Brasil.
À medida que se está ideologicamente revogando a "filosofia da água", do "combate à seca" - a água passando a ser buscada para resolver o problema da sede, o uso primordial e sem alternativa que água tem e não o da fome, como "fator de produção" excludente, e vai clareando o caminho técnico-cultural-político de viver em sintonia com a Natureza desse mundo áspero, bonito, possível e mal tratado do sertão das águas desarrumadas, a pecuária de múltipla função, sobre vegetais perenes, integrada por bovinos, caprinos e ovinos, bem adaptados ao ambiente, recriará a civilização do couro em novas bases e o semi-árido poderá se transformar, também do ponto de vista da produção e da prosperidade, num belo pedaço do Brasil. A raça das plantas, como a raça dos animais, para cada latitude é um fator fundamental.
O semi-árido - Por uma perniciosa deformação cultural, em larga medida, brasileiros ainda se mantêm com o umbigo e a mente, presas do estrangeiro, como que cultiva um complexo de inferioridade, colonial, negativo, menor. Um estadista paraibano - João Suassuna - já escreveu num documento de Governo (1926): "somos um povo sugestionado pela política inferior do decalque". No trabalho na terra, essa anomalia se
exacerba, porque a diferença entre o mundo temperado e o tropical, mais que noutro campo do conhecimento e da vida, deveria impedir a prática do "adotar sem adaptar", conceitos e técnicas somente aplicáveis em regiões de clima regular. Um país pode crescer com o aumento do seu PIB. Uma nação só cresce com um caráter, uma fidelidade ao seu passado, uma luta pela sua identidade. Uma expressão de Ariano Suassuna, falando sobre Arte em geral, bem completaria essa afirmação, dizendo que só assim "... o que vier de fora, em vez de uma influência que nos descaracteriza e esmaga, passa a ser uma incorporação que nos enriquece". A identidade o caráter das plantas, dos animais, do chão da terra e a forma de trabalhar nele pedem consideração análoga, para que possam prestar. 
O pesquisador e mestre zootecnista sul-africano Jan C. Bonsma, em conferência no Brasil (1982) sugeriu: "Sejam impiedosos no descarte seletivo para o melhoramento do gado, quando a:
1) adaptabilidade às condições locais;
2) fertilidade;
3) precocidade;
4) conversão de alimentos;
5) docilidade;....."
Marcus Catão, tribuno romano, no ano 184, em sua obra "De Agriculturae", consultado sobre qual o melhor emprego das terras no trabalho rural, respondeu: 1a) proveitosa criação de gados; 2) criação do gado com lucros modestos; 3) criação de gados sem lucros; 4) aramento (aração) de terras. Pensar no que ele disse, pensando no semiárido, quando se valoriza muito a proteção do ambiente e do solo é, ainda, mais pertinente.
O pessoal da OCDE, discutindo a proximidade do "food power" prevalecer no concerto das grandes potências do mundo, já dizia (1983): "... entre os tesouros mundiais, destacamos o espaço agriculturável do Brasil...." e mais "... que poderá produzir a carne mais barata do mundo, porque detém o milagre mundial do boi de fotossíntese...". A conversa deles cheira, historicamente, a exploração, egoísmo, imposição, impiedade social, ou, para usar equivalentes atuais, a "competitividade" e "mercado globalizado".
Manoel Dantas Vilar Filho (Dr Manelito)
Taperoá, Agosto de 2001.
(Publicado em "O Berro - nº 46 - Novembro/Dezembro 2001")

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