Fernando
Enrique Madalena
Departamento
de Zootencia
Escola
de Veterinária da UFMG
fermadal@pop3.lcc.ufmg.br
Produção
por vaca ou lucro?
Com a redução da margem de lucro ocorrida nos
últimos anos, o produtor de leite precisa cada vez mais prestar muita atenção
no custo/benefício das práticas que adota. Gastar é fácil, mas o retorno da
despesa nem sempre está garantido. O produtor de leite está submetido a
verdadeiro bombardeio de propaganda visando vender insumos, que nem sempre se
justificam. A vaca de altíssima produção é geralmente considerada o paradigma,
o ideal a ser alcançado. Recente reportagem de prestigioso jornal, sob o título
de “Escola tira nota 10”, mostrava na capa sofisticada sala de ordenha, com
vacas de alta produção, um colírio para os olhos, coisa linda de ser vista. No
texto, porém, aparecia esta frase: “Entretanto, a nota foi apenas 9,5 porque o
sistema ainda não dá lucro...”. Pode ser vista aí a magnitude do problema: já
nas nossas escolas estamos ensinando ao técnicos a perder dinheiro. Na minha
avaliação, um sistema que perde dinheiro tira nota 0, e, se eu tivesse fazenda
e o técnico assessor me fizesse perder dinheiro, o demitiria. Uma frase do
Prof. Sebastião Teixeira Gomes vem a tona neste contexto: “Define-se o bom técnico como aquele que ensina
o produtor a ganhar dinheiro”.
Sistemas
caros e sistemas lucrativos
Parece até uma ofensa à inteligência do
leitor falar uma coisa tão óbvia como que o objetivo do produtor deve ser
ganhar dinheiro, mas como geralmente isto se apresenta como sinônimo de produzirem
sistemas caros, deve ser feita a distinção. São duas coisas diferentes. Como já
mostrado em encontro anterior, os sistemas de produção mais sofisticados não
tem dado bons resultados econômicos, levando a conclusão de que o “leite caro
não compensa”, como pode ser visto na Fig. 1 (Holanda e Madalena, 1998).
Aqueles autores também apresentaram informações da literatura mostrando que
produtores mineiros em fazendas que vendiam 550 litros/dia, com vacas mestiças produzindo
9 litros de leite/dia, tinham melhor resultado econômico que produtores
paulistas em fazendas que vendiam 1800 litros/dia, com vacas Holandesas confinadas,
produzindo 19 litros/dia.
Figura
1. Relação entre a rentabilidade (r) e o custo de produção em 07 fazendas
“modelo”
o:
fazendas de custo médio, x: fazendas de custo alto
Reproduzida
de Holanda e Madalena , 1998.
|
Assim, os números disponíveis indicam que os
sistemas de produção com altos custos não tem se sustentado economicamente.
Resultados do sistema de produção com Holandês em free stall da EMBRAPA-Gado de
Leite apoiam esta conclusão, apesar de não ter sido publicada análise completa
do referido sistema. Como pode ser visto na Tab. 1, também já apresentada
anteriormente, mesmo desconsiderando-se as depreciações, a produção de leite
naquele sistema não paga os custos de manutenção. Não é de se surpreender,
então, que intentos de privatiza-lo tenham sido infrutíferos, por falta de
comprador interessado.
Quais as técnicas de produção econômica?
Num estudo recente de Holanda et al. (2000)
também foi verificado que fazendas com perfil tecnológico dito “mais
tecnificado” tinham margem líquida negativa, apesar de obterem maior produção
por vaca, do que sistemas com rebanho mestiço intermediário que gastavam menos
em diversas rubricas. Durante a defesa da dissertação respectiva, foi feita a
seguinte argüição por membro da banca: “As
fazendas que obtinham maior margem líquida usavam menos inseminação artificial,
menos remédios, menos concentrados, menos ordenha mecânica e
tinham gado menos especializado.
Faziam todo o contrário do que a técnica indica. Você recomendaria isto ao produtor?”
A resposta do estudante foi: “sim,
uma vez que assim a rentabilidade era positiva e de outra forma ocorria o
contrário”.
Este exemplo serve para ilustrar preconceitos
existentes quanto ao que deva ser a boa técnica. Por exemplo, ninguém poderá
negar que a inseminação artificial é uma ótima técnica reprodutiva, desde que bem aplicada e desde que o investimento
no sêmen corresponda á realidade da fazenda (Madalena, 1986).
Argumento semelhante aplica-se à ordenha
mecânica, muitas vezes necessária mas outras não, quando implementada sem a
necessária infraestrutura de apoio técnico, inclusive treinamento dos operários
e gerentes, para garantir seu funcionamento apropriado. A educação e
treinamento das pessoas envolvidas na produção são muitas vezes negligenciadas
ao se recomendar uma dada técnica, da mesma forma que a decorrência lógica de
maior remuneração do pessoal melhor qualificado.
A rubrica despesas com saúde merece cuidado,
já que se bem é verdade que algumas das despesas, como a maioria das vacinas,
são indispensáveis, outras dependem do manejo. Por exemplo, as despesas
decorrentes da mamite podem ser reduzidas utilizando-se métodos apropriados de prevenção.
As despesas com controle químico de parasitas também podem ser reduzidas com banhos
estratégicos, rotação de pastagens e uso de genótipos resistentes. No
encontro anterior, Teodoro et al. (1998) mostraram que a infestação com
carrapatos não tinha efeito sobre a produção de leite de vacas mestiças,
enquanto que as Holandesas sofriam uma redução de 25%. Assim, maiores despesas
com saúde não necessariamente indicam melhor técnica, podendo inclusive indicar
o contrário, se está se usando o gado errado ou manejo sanitário
inadequado.
A rubrica “despesas com concentrados” merece
atenção destacada, porque existe o mito generalizado entre os técnicos de que a
alimentação deve maximizar a produção, quando, de novo, o que interessa é o
custo-benefício da alimentação. Os resultados de Villela et al. (1996) servem
de exemplo neste sentido. Eles comunicaram que vacas Holandesas em sistema de “free stall”, com dieta completa ad libitum à base de silagem de milho
e concentrado, produziam 20,6 kg de leite por dia, enquanto que vacas
comparáveis, em pastagem de coast
cross, recebendo 3 kg de concentrado por dia, produziam 16,6 kg de leite
por dia. Entretanto, a despeito de sua menor produção, a margem bruta do
segundo grupo foi de US$ 764, contra US$ 570 do primeiro, uma diferença de 34%
a favor do grupo que produzia menos porém com alimento mais barato.
A raça ou cruzamento escolhido também deve
obedecer a critérios econômicos, em sintonia com os outros elementos do sistema
de produção. É bem conhecida a superioridade dos mestiços para produzir em
sistemas que oferecem forragens de menor qualidade, baixos níveis de
concentrados, desafio de parasitas e calor, enquanto que na ausência destas
limitações o gado Holandês é preferível.
Os resultados de experimentos de cruzamentos
de Bos taurus x B. indicus,
principalmente os brasileiros, foram revisados recentemente por Madalena
(1997). Em níveis de produção de menos de 10 kg de leite por dia de intervalo
de partos, a superioridade das mestiças (híbridas), especialmente das F1, tem
sido consistente, para a quase todas as características de importância econômica,
incluindo produção de leite, gordura e proteína, idade
à puberdade e ao
primeiro parto, eficiência de conversão de alimentos nas novilhas, mortalidade,
morbidade e custos de saúde de bezerras, taxa de descarte de novilhas e vacas,
vida útil, preço das vacas de descarte e custo da ordenha (Madalena, 1993).
Adega D |
A heterose acumulada nas diversas
características componentes do desempenho econômico tem resultado em grande
superioridade do cruzamento F1, especialmente em níveis de produção mais baixos
(Fig. 2). Nota-se novamente nesta figura o pior desempenho econômico decorrente
do alto uso de concentrados, no nível “alto” de manejo.
A superioridade do cruzamento F1 já vem sendo
reconhecida também em outros países. Na Colômbia pudemos verificar produção de
F1 inseminando vacas Holandesas com Gir e Guzerá no planalto de Bogotá, onde a altitude
de 2400 m causa clima temperado, sendo